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Capitalismo entra em colapso na Argentina

Publicado em: 24/11/2023

CÉSAR FONSECA – O Boa Noite da TV 247, nessa quarta, colocou o dedo na ferida aberta, em sangramento, da Argentina.

Teve o brilho de Marcos Coimbra, sociólogo marxista e especialista em eleições nacionais, para colocar a questão portenha em termos claros: o que entrou em colapso lá foi o sistema capitalista como um todo, algo que rola no mundo, com o avanço da ultradireita neoliberal.

O novo presidente, Javier Milei, que arrasou nas urnas o peronismo/kirchnerismo, começa dispensando os dois instrumentos clássicos de administração do capital: a moeda nacional e o Banco Central.

A moeda nacional, o peso, sucumbiu-se, e o instrumento que a administra, o BC, deixou de funcionar; transformou em mera figuração aparente.

O BC argentino só faz administrar moeda que não é sua, ou melhor, que não é aquela que confere soberania nacional, pois, apenas, cuida da compra e venda de dólar.

Sem essas duas armas, resta à Argentina tomar dinheiro emprestado, dólar, ao FMI e Banco Mundial, submetendo as suas regras que são ditadas pelo BC americano, o FED.

Quem vai dizer a quantidade de moeda necessária na circulação capitalista portenha é Washington.

Graças aos desajustes monetários e fiscais decorrentes da insuficiência de reserva externa, dolarizada, o governo, em si, deixou de ser útil, para administrar o capitalismo portenho.

Milei, impactado pelo desastre, promete fazer dinheiro vendendo o que resta: privatizando os serviços financeiros, econômicos e sociais – empresas, bancos, educação, saúde, comunicações, excluindo, apenas, o poder de gerenciamento estatal para ser colocado, totalmente, a serviço do capital privado.

KEYNESIANO PREBISCHANO COLAPSOU

Toda a infraestrutura criada pelo capitalismo argentino, ancorado na ideologia keynesiana, predominante desde Perón, nos anos 1940 em diante, está em desmoronamento irreversível.

Tal construção, historicamente, nesse período, sofreu influência decisiva das cabeças portenhas keynesianas brilhantes, como a de Raul Prebisch, ideólogo da Cepal e funcionário do Banco Mundial, autor do livro clássico “Dinâmica do Desenvolvimento Latino-Americano”.

Getúlio desacreditou-se de Prebisch, que lhe foi apresentado por Celso Furtado, quando lhe perguntou sobre quem dava as cartas na Cepal.

Ao saber, por Prebisch, que era o Banco Mundial, caiu na real: o funcionário do BIRD estava a serviço dos interesses do império na América do Sul, dispensando, consequentemente, suas orientações que entravam em choque com o nacionalismo getulista etc.

A construção de Bretton Woods, que o próprio Lula, em discurso na ONU, considera esgotada, é a que se desmorona na Argentina e – também, no Brasil.

Milei quer, agora, colocar no lugar dela a experiência do capitalismo neoclássico que é retrocesso relativamente ao keynesianismo.

Keynes se viabilizou, na histórica econômica, diante do fracasso do laissez-faire, ao qual o novo presidente argentino quer retornar.

É por isso que Marcos Coimbra alerta, no Boa Noite da TV 247, que o que se vê é a inviabilidade das regras capitalistas tanto keynesianas como neoliberais (clássicas e neoclássicas), que deixaram de ser úteis.

Se não são mais úteis, não são mais verdades, como sentenciou o próprio Keynes para romper com o seu mestre maior, Alfred Marshall, pai da economia marginalista, que entraria em crise no crash de 1929.

BRICS: MEDO DE WASHINGTON

Não é à toa que o maior medo de Washington, no momento do colapso simultâneo keynesiano e neoliberal argentino, é o discurso dos BRICS, avalizado pelas duas potências, Rússia(militar) e China(econômica).

Defensoras da desdolarização e de novo sistema monetário internacional, Rússia e China pregam trocas internacionais em moedas nacionais, como já ocorre, com sucesso, nas relações bilaterais entre ambas, desde início da Guerra na Ucrânia.

A influência das potências do BRICS se faz sentir nos discursos dos demais países aliados ao bloco, como o de Lula, defensor das trocas internacionais entre moedas nacionais, no compasso do esvaziamento do dólar.

O rompimento de Milei com Lula é consequência desse embate geopolítico global.

O mundo capitalista ocidental, puxado pelos Estados Unidos, está em guerra aberta com as novas potências, e o jogo geopolítico internacional já exige escolhas decisivas.

Milei, apoiado pelo império americano, inicia seu governo com uma plataforma clara: é contrário ao BRICS e ao relacionamento com o Brasil, a voz do bloco, na América do Sul.

A corrida de Milei é a que o leva a ser vassalo do Banco Central dos Estados Unidos, que passa a ditar a política monetária, na Argentina, diante do fim anunciado do BC argentino, como última cartada do capitalismo portenho, carente de dólar.

Provavelmente, Washington autorizará crédito ponte em dólar para a Argentina, nas condições de imposição de condicionalidades já conhecidas, em que o país seja obrigado a hipotecar o que lhe resta.

DESCRÉDITO POLÍTICO TOTAL

Nesse contexto, a população argentina deixou de acreditar nas promessas dos políticos, porque, como destaca o economista nacionalista, Nildo Ouriques, da Universidade Federal de Santa Catarina, as forças de direita, neoliberais, e de esquerda, peronistas/kirchneristas, perderam credibilidade por terem ambas se subordinado ao discurso de Washington, que levou a economia à hiperinflação.

Repete-se o cenário de caos político, econômico, financeiro e social dos anos 1990.

Desencantados, los hermanos chutaram o pau da barraca e apoiaram quem – Milei – destoou do coro dos contentes, à esquerda e à direita, no comando do poder, nos últimos vinte anos, mesmo sem saber se terá possibilidades de sair da armadilha da dívida montada pelo neoliberalismo.

Desencanto geral.

Lula, nesse cenário, está relativamente folgado porque o Brasil, embora tenha uma dívida interna na casa dos R$ 8 trilhões, que rende aos credores, R$ 700 bi em juros e amortizações, não tem dívida externa em dólar, cuja armadilha é a hiperinflação.

O presidente brasileiro poderá partir para emissão de moeda em real sem perigo de produzir inflação descontrolada como ficou comprovada nas experiências dos países que tiveram que emitir para desvalorizar dívida interna, com queda dos juros, de modo a reduzir o seu custo de financiamento.

Dessa forma, Lula, como, também, está sob armadilha neoliberal, em algum momento – que já se aproxima – terá que enfrentar, como destaca o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, a maior pressão sobre o déficit público: o custo financeiro da dívida que o BC Independente impulsiona com Selic excessivamente elevada.

Poderá não ter alternativa, senão negociá-la, já que se insistir no arcabouço neoliberal imposto pelo Congresso conservador, não conseguirá governar, correndo risco de perder eleições municipais em 2024 e presidencial em 2026.

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