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O Racismo é anterior ao Amor

Publicado em: 27/05/2023

Bernardo Assis
Bernardo Assis Filho

O racismo é anterior ao Amor. Sim, porque ele é um dos 4 preconceitos cardeais que acompanham a humanidade, desde tempos imemoriais, que junto com a misoginia, xenofobia e homofobia, compõem o estuário do Ódio primevo, isto é, relativo aos primeiros tempos do mundo, que surge bem precocemente como um sentimento que precede ao Amor.

 

Esses quatro preconceitos são mais antigos que os princípios (morais, éticos, etc) porque os primeiros subjazem aos segundos, na história da civilização. Um olhar à neurobiologia do surgimento do Ódio, e numa visão antropológica, mostra que ele aparece como um instrumento de adaptação do homem incivilizado diante das intempéries da sobrevivência, que ao gerarem medo, causam o aumento do estado de alerta e agressividade.

 

De acordo com meu colega Douglas Dogol Sucar, médico psiquiatra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o sentimento de agressividade, por sua vez, produz forte estimulação no “putâmen direito, insula média e cortéx pré motor”, criando, assim, um comportamento de ódio. Essas estruturas do nosso cérebro, estão relacionadas com a função de regular as nossas emoções.

 

Sucar diz que “ nosso cérebro apresenta uma estrutura anátomo-funcional de produção de ódio porque esse sentimento é essencial ao processo evolutivo…” e o circuito órbito frontal, fica inicialmente bloqueado para a entrada de estímulos racionais vindo do córtex frontal.

 

Entendemos então que na nossa evolução neurobiológica encefálica, desenvolve-se primeiro, estruturas motoras que impulsionam ao surgimento do sentimento de ódio, e posteriormente, estruturas racionais e afetivas, topologicamente consideradas ao lóbulo frontal, o “lóbulo do afeto”.

 

Num contraponto que vem coonestar esta reflexão neurobiológica, encontramos na vertente psicodinâmica em Freud, dois ensaios. Um de 1913 –“A disposição a neurose obsessiva/uma contribuição ao problema da escolha da neurose” – em que o autor cita que “na ordem do desenvolvimento libidinal, em descompasso ao desenvolvimento do ego, o ódio é o precursor do amor” . E continua: “É este o significado de uma assertiva de Stekel (*) de que o ódio, e não o amor, é a relação primordial entre os homens”.

 

Em outro artigo de 1915 – “Os instintos e suas vicissitudes” – Freud desenvolve esta consigna, pondo explicitamente que “o ódio, enquanto relação com objetos, é mais antigo que o amor. Provém do repúdio primordial do ego narcisista ao mundo externo com seu extravasamento de estímulos”.

 

Uma teoria ou outra, ambas demostram que os preconceitos, que se encontram no registro do simbólico, assumem uma conotação estrutural que depois é reforçada por questões culturais. Eles persistem ou co-existem em maior ou menor grau, em determinado tecido social.

 

Eles existem em todos, todos nós, sem exceção. Porém uns os reprimem com eficiência, ou sublimam, não só por efeito do desenvolvimento civilizatório, como por imposição jurídica e institucional. Enquanto outros os exibem, os ostentam com orgulho, como foi na Alemanha dos anos 30 do século passado, e na atualidade nas eras Trump/Bolsonaro, que ao catalisarem estes arcaidismos, destamparam os bueiros desse lixo civilizatório que invadiu as ruas, mesmo e principalmente as mais elegantes do país.

 

Portanto não nos surpreende que pessoas de boa formação, profissionais de nível superior, acadêmicos, etc, componham essa turba, inclusive com o poder de formação de opinião, nas justificativas desta barbárie. Na atividade política, além das plataformas de atuação deste ou daquele candidato, o que mais atrai os seus eleitores é a identificação, consciente ou inconsciente com a sua personalidade, que pode precipitar sob várias circunstâncias, a reprodução destes preconceitos da incivilidade.

 

Segundo ainda o antropólogo e etnólogo francês, Levi Strauss, cujo trabalho foi fundamental no desenvolvimento das teorias do estruturalismo e da antropologia estrutural, “os preconceitos formam uma estrutura permanente que se relaciona simultaneamente ao passado, ao presente, e ao futuro”.

 

Sabendo então que teremos que lidar com essa ‘anomalia’ anacrônica para sempre, estudar e entender as suas raízes seriam uma forma de combatê-las e assim superá-las.

Bernardo Assis Filho é Psiquiatra

 

(*) Stekel, W. Sadismo e Masoquismo – Psicologia do Ódio e a Crueldade,1911

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2 respostas

  1. Parece que o ódio e a agressividade são estruturantes no ser humano, acompanhando nossa evolução. Assim, os preconceitos, análogos ou relacionados ao ódio, são também inerentes à nossa estrutura bio, mas se “refinam” na cultura, ou seja, através das relações sociais.
    Fica mais fácil entender o aspecto destrutivo do ser humano, e como este caráter se realiza em comportamentos de arrogância, desrespeito, vilipêndio à natureza e até mesmo aos outros seres humanos.

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