Boston – Semana passada parte da população brasileira ficou pasma duas vezes. Outra parte mostrou-se raivosa primeiro, e emudeceu depois. Todo mundo sabe quem essas partes representam e quais foram os motivos.
Fazendo uma pequena retrospectiva, tudo começou quando o ex-juiz, atual senador Sérgio Moro anunciou que estava sendo ameaçado de morte pelo PCC. Para quem não sabe, Primeiro Comando da Capital é a maior organização criminosa surgida nos anos 1990, inicialmente em São Paulo e se espalhou pelo país, com o objetivo de controlar o tráfico de drogas no Brasil ramificado em outros países. Posteriormente ou concomitantemente a organização se envolveu em assaltos a bancos, sequestros etc. como forma de financiamento de suas atividades.
A ameaça foi confirmada pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, e pela Polícia Federal, que vem dando proteção ao senador, por se tratar de um cidadão e uma autoridade pública. Antes que os detalhes dessa operação viessem à tona, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, numa entrevista ao 247, e sem saber que estava ao vivo, externou seu feeling dizendo acreditar que tudo possivelmente era “mais uma armação de Moro”.
E mais, durante a entrevista, quando o presidente relembrou o processo insidioso do seu julgamento, condenação e prisão injusta conduzidos pelo então juiz Sérgio Moro, na Operação Lava-Jato, soltou inadvertidamente um palavrão.
Embora o presidente Lula se referisse ao passado (“eu queria f…com Moro”), para explicar porque não pediu asilo em outro país por evidente perseguição política, e não fugiu (como o ex-presidente Jair Bolsonaro está fazendo para não prestar contas dos seus incontáveis crimes cometidos), o fato foi explorado pelo próprio senador, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, seus filhos políticos, seus seguidores e os fazedores de fake news deturpadores de noticias, que descontextualizaram a fala do presidente Lula e associaram e acusaram ele de conivência com o PCC.
Quando os esclarecimentos foram feitos, um ou dois dias depois, pela própria Polícia Federal, especialmente por parte do promotor Lincoln Gakiya, cujo nome também está lista de ameaçados junto com vários outros funcionários públicos e autoridades na mira do PCC por motivos diversos, a armação de Sérgio Moro, pressagiada pelo presidente Lula, veio à tona. Isto é: Lula atirou no que viu e acertou o que previu.
Primeiro, o motivo de Sérgio Moro estar na lista de ameaçados teria sido supostamente por conta de medidas duras tomadas por ele, quando juiz, contra os chefes do PCC (como a proibição de visitas íntimas) que se encontram atualmente no sistema prisionário de segurança máxima, especialmente Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como “Marcola”.
Segundo, a ameaça de morte contra o ex-juiz e outros funcionários públicos faz parte de uma operação sigilosa deflagrada há mais de seis meses, ou seja, ainda durante o governo de Jair Bolsonaro. Isto é: Moro tramou a temporalidade da ameaça (que envolve também sua mulher deputada eleita, e filhos) ao alardear e expor ambas, a ameaça e a operação, publicamente na semana passada (!!! ???)
A evidência da trama de Moro envolve também a sua ex-parceira na Operação Lava-Jato que também excruciou Lula, a juíza Gabriela Hardt. O processo de ameaça que corria sigilosamente em São Paulo foi transferido “misteriosamente” para Curitiba, a base política e familiar de Moro e casa da Lava-Jato––operação por demais conhecida que a título de combater a corrupção cometeu uma série de arbritariedades compassíveis de julgamentos e possível prisão.
Recordando que a juíza é conhecida como aquela que “copia e cola” sentenças. Ela teria copiado e colado sentenças de Moro contra o presidente Lula, durante os processos de injusta condenação do presidente e cuja parcialidade (de Moro) foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.
No caso da operação que apura as ameaças de morte a autoridades e funcionários públicos, a juíza Gabriela Hardt, ao receber o processo em Curitiba, suspendeu o sigilo da operação, colocando as várias pessoas da lista das ameaças e a própria operação em risco (!!!)
Ora, ora, ora. O que há de novo nessa estória e mesmo em mais uma estória produzida por um ex-juiz associado a um juiz de futebol corrupto, e alcunhado pelo deputado Glauber Braga (PT) como “juiz ladrão”??? Vamos voar para os Estados Unidos.
Uma semana antes dessa trama de Moro, o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, também fez uma armação aqui, anunciando a sua própria prisão. Seus seguidores se agitaram e se mobilizaram principalmente através das mídias digitais para promover um espetáculo de protestos e violência caso a prisão viesse a ocorrer.
Vídeos memóticos de Trump sendo algemado e preso, com todos os holofotes sobre ele tornaram-se virais na Internet. Afinal, seria a primeira vez que o mundo veria um ex-presidente dos Estados Unidos sendo preso. (Por sinal, a foto acima é figurativa).
Contudo, duas semanas se passaram e Trump continua um homem livre, sem nenhuma acusação de um grande júri ainda. “Indicações públicas ainda parecem apontar para acusações contra Trump em Manhattan, mas o quê e quando ainda são um mistério,” diz o The Atlantic. E várias outras estórias aconteceram depois disso.
São muitas investigações contra Trump e casos circulando. “Manter uma noção das questões em jogo em cada investigação, o cronograma para eles e a gravidade da ameaça ao ex-presidente que eles representam é complicado”, diz David Graham, redator do The Atlantic, “mesmo quando você acompanha os casos há anos agora, como eu”.
Não é objetivo deste artigo listar as acusações contra Trump. Mas discutir a associação das estratégias defensivas da parte dele através da manipulação da opinião pública, como é do seu perfil, com as que vem sendo utilizadas por seus tietes no Brasil.
Dizem as más ou boas línguas que Sérgio Moro agiu no Brasil má comunado com o ex-presidente Jair Bolsonaro, daqui de Orlando, que como todo mundo sabe é má comunado com Donald Trump. Assim foi nos episódios de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio e de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, supostamente um apoiando o outro.
Anunciada atemporalmente, a ameaça de morte a Moro daria palanque ao ex-juiz na sua estréia de pronunciamento no Senado (por sinal, considerada um desastre!) A trama também tiraria dos holofotes do noticiário o constrangimento do ex-presidente Jair Bolsonaro na devolução ao Estado das joias dadas pelo príncipe Mohammed bin Salman Al Saud, da Arabia Saudita, e que ele teria se apropriado indevidamente. Ou que, no mínimo, deveria ter pago devidamente os impostos para considerar como um presente pessoal ( sem falar no crime que seu ministro militar, Almirante Bento Albuquerque, então ministro de Minas e Energia, cometeu ao passar na alfandega com as jóias escondidas numa mochila para não declarar as mesmas).
Outra hipótese ventilada é a de que o retorno de Jair Bolsonaro ao Brasil, agora anunciado para 30 de março, ocorreria com uma grande recepção de motociata e baderna, para afrontar a autoridade do presidente Lula, que “queria f. com Moro” e então “declaradamente associado ao crime organizado”.
Verdade ou não, sobre o possível retorno de Bolsonaro ao Brasil nos próximos dias, a data é significativa, a véspera do aniversário do golpe militar de 31 de março de 1964. Quem ainda duvida que Bolsonaro e todos aqueles que acompanharam ele em seu governo, incluindo os militares que ocuparam cargo civis (mais de 6 mil, e diga-se de passagem, número superior em comparação ao número de militares ocupando o primeiro escalão de governos da ditadura) fazem parte do não formal e inconstitucional Partido Militar?
Foi tudo “estrategicamente” planejado, para todos parecerem vítimas. Só que, quando a trama veio à tona, TODOS acabaram vítimas, sim, de seus próprios processos de vitimização. Essa é mais uma das maneiras que o Partido Militar opera. Na surdina, através de tramamóias e dando carteiradas, sob a inspiração do falso patriotismo e religiosidade (“Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”).
Sem querer delongar e trazer mais fatos e personagens por demais já explorados pela imprensa independente que desmascararam essas tramas––no Brasil por Bolsonaro/Moro e nos Estados Unidos, por Trump–– eu queria pontuar que às vésperas dos 59 anos do golpe e da infeliz frase de Juracy Magalhães, quando ele assumiu a embaixada do Brasil em Washington, o legado militar de deturpação da missão das Forças Armadas mostra que está mais vivo que nunca.
Felizmente, o poder que emana do povo tem sido mais mais forte. A democracia foi restabelecida nos Estados Unidos e no Brasil. No Brasil, depois de quatro anos, o povo vai poder relembrar o 31 de março dizendo desta vez que o que é bom prá Trump, é sim, bom para Bolsonaro (e Moro por extensão) e assim também é para todos aqueles que atentarem contra as quatro linhas da Constituição.
Ana Alakija é jornalista com Mestrado em História pela Salem State University, Massachusetts