Imprensa Norte-americana Muda Visão Sobre o Governo Lula

Publicado em: 01/05/2023

Ana Alakija
Ana Alakija

De Boston – Na véspera do Dia do Trabalho, o New York Times publicou uma reportagem que ocupou quase toda a página 9 do primeiro caderno de notícias sobre o movimento brasileiro dos trabalhadores sem-terra. O jornal enviou um repórter especial para cobrir a mais recente ocupação de 2 mil acres de terras por agricultores numa fazenda localizada no município baiano de Itabela.

 

A reportagem tem também como mote a comissão parlamentar de inquérito criada na semana passada na Câmara de Deputados para apurar as ações desse movimento a partir das declarações recentes dadas por seu co-fundador, João Pedro Stédile, de que o MST teria planejado novas ocupações no chamado “Abril Vermelho” como atividade do seu calendário.

 

Apesar de salientar a questão agrária, o NYT teve a intenção mesmo foi de bater forte no presidente Lula. Stédile deu as declarações quando estava na China, como um dos membros integrantes da comitiva de empresários e empreendedores que acompanhou o presidente Lula em sua viagem àquele país.

 

Stédile passou também a ser alvo de uma notícia-crime apresentada pelo deputado federal Deltan Dallagnol (PODE-PR). O parlamentar, cujo estilo de jurisprudência é por demais conhecido como enviesado, quer que a Justiça tenha o mesmo entendimento criminal que o STF tem para os participantes dos atos do dia 8 de janeiro e ocupantes dos acampamentos em frentes aos quartéis que praticaram atos contra o estado democrático de direito, em relação ao MST, como “um movimento encorajador de invasão a diversas propriedades rurais.”

 

O matutino diz que, encorajados pela eleição de Lula, um aliado político de longa data do movimento, os seguidores do MST estão intensificando suas apreensões de terras. São 33 ocupações contabilizadas em menos de quatro meses na gestão do presidente.

 

O novaiorquino relata que sob a gestão do ex-presidente de direita do Brasil, Jair Bolsonaro, o movimento perdeu força. As ocupações pararam em grande parte durante a pandemia e depois retornaram lentamente diante da oposição de Bolsonaro e dos fazendeiros que se tornaram mais fortemente armados sob sua política de permissividade de armas.

 

Acima de tudo, o jornal puxa o assunto para o campo da ideologia. A chamada para a reportagem diz: “Se você não usar sua terra, esses marxistas podem tomá-la”, demonstrando claramente os interesses que o veículo defende e de que lado ele está.

 

O novaiorquino descreve o MST como um movimento incomparável com todos os movimentos inspirados pelos princípios do marxismo: trabalhadores se levantando em uma luta de classes contra o capitalismo que buscam enfrentar as desigualdades sistêmicas. “Um movimento organizador dos “…pobres do Brasil para tomar a terra dos ricos.”

 

“Talvez o maior – e mais polarizador – movimento social da América Latina,” citando a estimativa de 460.000 famílias vivendo em acampamentos e assentamentos e a adesão informal de quase dois milhões de pessoas, “em torno de 1% da população brasileira”.

 

O movimento é também descrito como um divisor que coloca de um lado centenas de milhares de trabalhadores rurais empobrecidos e uma rede de ativistas de esquerda contra famílias ricas, grandes corporações e muitas pequenas fazendas familiares.

 

Essa repentina mudança de tom do jornal sobre o presidente Lula tem um sentido. Até então o mais importante veículo de comunicação impressa de um dos centros nevrálgicos do país norte-americano demonstrava uma linha “aparentemente neutra” em relação em presidente Luís Inácio Lula da Silva. Posso apostar que Lula em seu terceiro mandato estava até mesmo ganhando “uma certa simpatia pessoal” do matutino.

 

Mas esse flerte, que começou com a eleição de Lula, atravessou a posse dele, e acompanhou a sua visita ao presidente Joe Biden, perdeu o encanto a partir da insistência do presidente Lula num discurso que vai contra os interesses do presidente estadunidense e do próprio Pentágono. Uma tendência que parece  acompanhar bloglecos alinhados a Donald Trump, seu assessor Stephen Miller e Elon Musk.

 

Um ponto  desse discurso diz a respeito à comissão de paz que o presidente Lula tem sugerido ser criada para mediar a guerra Rússia-Ucrânia, composta por países que estão fora do conflito. Os Estados Unidos morrem de medo de perder o protagonismo sobre a narrativa da guerra de vitimização da Ucrânia colocando toda a responsabilidade da causa do conflito no invasor.

 

Na Espanha, Lula foi mais longe em seu discurso. Sugeriu a criação de um “G20 de paz”. isto é: um acordo entre o Mercosul e a União Européia. Por mais genial  e clara que Lula e sua proposta sejam, os Estados Unidos também não vêem com bons olhos a relação cordial do presidente Lula com os líderes de governos latinos de esquerda, como Nicolás Maduro, da Venezuela,  Gabriel Boric no Chile, Gustavo Petro na Colombia e Dina Boluarte no Peru.

 

Outro ponto é que, com a volta de Lula no cenário internacional, a aproximação com a China e o fortalecimento dos países que integram o BRICS (incluindo Rússia e China) e que tem a ex-presidenta brasileira Dilma Roussef como presidenta do grupo, os Estados Unidos temem perder a sua hegemonia no mercado internacional, incluindo a possibilidade do uso do Yuan como moeda na transação entre esses países.

 

O NYT cobra a posição do presidente Lula em relação e essas ocupações, ao enfatizar que Lula tem dito pouco ou quase nada sobre o assunto. Mas apesar de estimular o rótulo de comunista ao governo Lula, sabidamente constituído por uma frente ampla de governos de esquerda, centro esquerda e centro-direita, a reportagem também cita alguns aspectos positivos.

 

O repórter ouve os dois lados––supostos donos das terras de Itabela e ocupadores. Ele ainda entrevista lideranças do MST que apontam as ocupações como estratégia para provocar soluções de problemas que vem desde o Brasil Colonial e de uma reforma agrária lenta e burocrática. A conclusão é que os acordos legais tem transformado o MST em um grande produtor de alimentos.

 

São centenas de milhares de toneladas de leite, feijão, café e outras commodities a cada ano, muitos deles orgânicos depois que o movimento pressionou seus membros a abandonar pesticidas e fertilizantes anos atrás. O movimento é hoje o maior fornecedor de arroz orgânico da América Latina, de acordo com um grande sindicato de produtores de arroz.

 

A propósito, ao contrário de muitas nações, Estados Unidos não celebra o 1º de Maio como Dia do trabalhador–– O Labor Day, é comemorado aqui na primeira segunda-feira de setembro–– ainda que essa data tenha sido inspirada no massacre dos trabalhadores pela polícia em Chicago  em 1886, que lutavam pelo direito de trabalhar oito horas por dia.

 

Ana Alakija é jornalista com Mestrado em História pela Salem State University, Massachusetts

 

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