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Pra Não Dizer Que Não Falei de Gravatas

Publicado em: 28/04/2023

Ana Alakija
Ana Alakija

De Boston – Meu marido era um cidadão nato norte-americano. Ele faleceu em 2019. Deixou umas quatro dezenas de gravatas. Cada uma mais linda que outra. Italianas, irlandesas, americanas, francesas, alemãs… Trabalhava no Tribunal de Massachusetts, como intérprete legal. Era muito elogiado pela forma elegante com que se trajava, usando sempre um terno clássico.  Costumava vestir, da cabeça aos pés, roupas adquiridas na Keezer’s.

 

Quem conhece Boston, ou melhor Cambridge, sabe do que estou falando.  A loja de varejo de roupas clássicas masculinas, Keezer’s, esteve localizada na River Street da cidade universitária há 122 anos. O ‘bazar’ oferecia ternos e aluguel de smoking por preços módicos. Vestiu laureados Nobel para as suas cerimônias de premiação, um futuro presidente da República e estrelas da mídia, como bem descreveu a emissora de rádio pública WBUR, que anunciou, em 2017, a venda do prédio (e o possível fechamento do negócio) para o do magnata imobiliário bilionário Gerald Chan.

 

Mas a Keezer’s não morreu. O negócio, que agora tem quase 130 anos, reabriu em 2018, como um novo dono, o norte-americano Dick Robasson, que juntou o comércio ao seu ateliê em novo endereço, 1738 Massachusetts Avenue. A alfaiataria também começou a vender roupas femininas, incluindo vestidos formais e vestidos de noiva, se bem que já se podia achar casacos femininos anteriormente na Keezer’s. Eu mesma adquiri ali um casaco clássico londrino, na primeira década dos anos 2000.

 

A Keezer’s teve anteriormente dois donos, ambos Euro-americanos judeus: Max Keezer, o fundador da loja em 1895, e Leo Goldstein, que adquiriu o negócio em 1978.  A Keezer’s que eu conheci era assim: tinha caixas de papelão revestindo as paredes dentro da entrada… e com todas as placas da loja escritas à mão com marcador.  Também não tinhas computadores e grandes tecnologias.

 

O varejo clássico de roupas masculinas da velha guarda serviu a gerações e gerações de estudantes da Harvard. Goldstein também vestiu vários jornalistas que recorriam a loja para alugar ternos e smokings para eventos anuais de gala, cobrando absolutamente nada deles. As roupas vinham muitas vezes de pessoas ricas, famosas ou que seriam celebridade no futuro, como o ex-presidente John F. Kennedy Jr., que quando estudante da Harvard nos anos 1940, vendia seus indumentos para a Keezer’s para embolsar alguns trocados, na memória de Goldstein.

 

Meias, sapato, camisa social, abotoaduras, paletó, calça, ternos, fraques, smokings, trajes completos por um custo às vezes de U$200.00, ou seja, o preço de aluguel de um smoking. Tinha chapéu, jaquetas e… gravatas! Ali podia-se encontrar das mais simples handmade às mais sofisticadas e famosas marcas das neckties. Um costume que remonta o século  XIX,  senão o século XVIII, quando os lenços e volumosos tecidos ocuparam pioneiramente o seu espaço.

 

Os clientes da Keezer’s eram cativos, daqueles que compravam na loja há mais de 50 anos. Meu marido era um desses clientes, que desde jovem adquiriu o gosto de vestir-se bem classicamente pagando barato. Embora nascido nos Estados Unidos, Ralph (que não era Lauren) era um amante do Recôncavo da Bahia e das culturas do mundo. Assim, desde os vinte e poucos saiu da Nova Inglaterra como um agente da Peace Corps vivendo a maior parte da juventude dele fora do continente norte-americano, grande parte em países da África, da Europa e no Brasil.

 

Acompanhei ele na maturidade, com idas e vindas entre Bahia, Europa e Estados Unidos, entre 2001 e 2005, quando ele ocupou o posto-chefe dos serviços de interpretação linguística na missão de paz das Nações Unidas, em Kosovo. E, em uma das escalas que fiz talvez em Zurique, quando viajava para visitá-lo, pensei em comprar para ele… uma gravata!

 

Diferente do preço das que ele costumava comprar na Keezer’s, a dita que me encantou custava por volta de €75.00. Um pouco de extravagância para uma simples mortal como eu, que apesar de mais de 25 anos de profissão, ganhava o piso do salário de jornalista. Mas havia um sentido. Não era nenhuma Paul Smith, Windson, Bvlgari, Salvatore Ferragamo, Louis Vuitton, ou similar. Mas era uma linda peça de fundo azul-marinho estampada com a figura de instrumentos de sopro em amarelo ouro. Além de intérprete, meu marido era etnomusicólogo e músico de formação, com carteirinha da Orquestra Sinfônica da Bahia. Ele tocava trompete.

 

Ora, se eu podia comprar uma gravata de €75.00 no primeiro quinquênio dos anos 2000 em um dos aeroportos mais movimentados e chiques da Europa, onde você podia esbarrar em celebridades, como a Gisele Butchen, na esquina de qualquer vitrine, por que Carol Proner ou Janja da Silva,  com salários e aposentadorias possivelmente 5 ou 6 vezes mais que o meu não poderia comprar uma Zegna de €195.00 em Lisboa em 2023 para Chico e o Presidente Lula?

 

Ultimamente, as gravatas estão em alta. Elas são fabricadas em uma ampla variedade de tecidos e acabamentos – de sedas elegantes a algodões e linhos confortáveis, normalmente feitos em tramas “simples”, “sarja” ou “cetim”, bem como “jacquard” mais complexo e espaçados ” repp” tece, poliéster e microfibra. Mas teve seus momentos de baixa.

 

Em 2004, a Forbes fez uma pesquisa para saber com que frequência os homens americanos usavam gravata. O objetivo era trazer a dita peça para o top do mercado que pareceu declinar no mundo a partir do fim dos anos 1980, com o surgimento da moda “casual corporativo” que disputou mercado com o “toque socialista”   (quem lembra do look de Waldir Pires, o primeiro governador brasileiro sem gravata?)

 

Na verdade, a Forbes usou o público feminino como alvo, por constatar que cerca de metade de todas as gravatas eram compradas por mulheres como presentes. “Não faria mal se os homens informassem suas esposas ou namoradas sobre todos os itens acima”, disse a Forbes na época, que explorou todos os aspectos possíveis de combinações de elementos não tradicionais para criar looks distintamente pessoais através de cativantes gravatas.

 

De lá pra cá são quase dez anos. Mas as ties nunca mais cairam de moda, nos Estados Unidos, no Brasil, na Europa, na África, Austrália, anywhere. Pelo visto, o comportamento do consumidor também não sofreu grandes modificações.  Então, mulheres, avante! Deem gravatas de presente a seus maridos, companheiros, amigos. Tem peças no mercado de todos os tipos, preços e pra todos os gostos.  Ah, o destino das gravatas de meu marido? Talvez eu retorne elas para a nova Keezer’s. Et la nave va.

 

Ana Alakija é jornalista com Mestrado em História pela Salem State University, Massachusetts

 

 

 

 

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