Desde que, em 2018, a China anunciou que não mais receberia os resíduos plásticos produzidos pelos EUA, diversos países da América Latina passaram a funcionar como uma espécie de lixão do país mais rico do mundo – e, entre eles, o Brasil. Segundo dados levantados pela organização ambientalista Last Beach Cleanup, até outubro de 2021 os EUA enviaram mais de 89 mil toneladas de lixo plástico para a região latino-americana, com alguns países aumentando em quase o dobro a quantidade recebida em comparação ao ano anterior: o aumento também se deve a políticas mais rígidas e aumento na taxação para importação de lixo impostas pela Turquia e alguns países asiáticos, que costumavam receber os detritos estadunidenses.
Conforme revelou reportagem da BBC News, apesar das quantidades enviadas para o Brasil terem diminuído com relação ao ano anterior, os números seguem expressivos: em 2020 foram 1,7 mil toneladas de lixo dos EUA enviados para cá, e nos primeiros dez meses de 2021 a importação dos dejetos estavam em cerca de 481 toneladas. O país que mais recebe atualmente o lixo estadunidense na região, e que apresentou o maior aumento, porém, é o México, que somente em 2021 importou cerca de 60 mil toneladas de lixo do vizinho rico – equivalente a aproximadamente 57 contêiners por dia. Além do Brasil, o restante foi recebido por Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Honduras, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Venezuela.
De acordo com a organização, as importações são realizadas por empresas privadas, em acordo comercial direto com outras empresas dos EUA, para países que não possuem estrutura para sequer lidar com o próprio lixo – muitas vezes em quantidades maiores do que esses países produzem. Além disso, as empresas aproveitam brechas nas leis, falta de fiscalização e principalmente ausência de regulações e políticas ambientais de tais países para trazerem maiores quantidades do que as recomendadas ou permitidas por lei. Todo esse poluente processo tem, como sempre, o lucro como pano de fundo, já que, para os EUA, é mais barato produzir do que reciclar plástico, e principalmente é mais barato enviar esse lixo para outros países do que processar os rejeitos nos raros e custosos centros de processamento locais.
Se a regulamentação restritiva de outros países reduziu a importação de lixo, a ausência de marcos regulatórios, de políticas públicas ambientais, de governos fortes e de fiscalizações firmes torna a América Latina um cenário perfeito para os EUA despejarem suas milhares de toneladas de lixo plástico, enquanto lucram ou economizam poluindo países mais pobres com o desperdício que produzem. Tal quadro é ainda mais ilustrativo sobre como os países mais ricos tratam a região se posto em comparação com os esforços que o atual governo brasileiro fez nos últimos anos para fazer parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado “clube dos países ricos” que Trump prometeu ingresso a Bolsonaro – e não cumpriu – em troca de muitas concessões brasileiras, e nenhum grande gesto dos EUA.
Concessões aos EUA em troca de nada
Em 2019, o então presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que via no Brasil o próximo candidato a ingressar na OCDE, fórum formado por 38 países criado, segundo consta, para estimular a economia de mercado e o chamado progresso econômico através do comercio internacional. Em busca da confirmação do convite, Bolsonaro estabeleceu diversos compromissos comerciais com os EUA, reduziu taxas de importação para o país, ofereceu concessão de exploração da base espacial de Alcântara, no Maranhão, isenção de exigência de visto sem reciprocidade, entre outras medidas: em troca, recebeu um apoio simbólico, para um ingresso que nunca veio. O que vieram foram as toneladas de lixo plástico, que poderiam ter a importação barradas através de fiscalização, legislação ou ao menos posicionamentos públicos contrários a tornar o América Latina e o Brasil em um imenso lixão do país mais rico do mundo.