Primavera com flores e espinhos

Publicado em: 23/11/2015

Mulheres em marcha surpreenderam e encantaram a sociedade nas últimas semanas ao ocupar as ruas pela garantia de direitos sociais no movimento conhecido como Primavera das Mulheres.

Unidas em comunhão geracional, elas reforçaram a certeza de que sofrer não é um fardo recebido do além a ser carregado como obrigação pela metade feminina do mundo.

Marcharam as muito jovens, filhas da conexão virtual hashtag século XXI, com seus libertários e irreverentes corpos pintados, ao lado das que desde a década de 1970 do século passado distribuíam panfletos feitos em máquinas de escrever e muitas vezes impressos em mimeógrafos ou xerocados para serem distribuídos providencialmente longe dos camburões da repressão.

As da vanguarda de ontem abriram caminho para hoje marcharem juntas. Elas enfrentaram o medo e sedimentaram conquistas, gastaram não só sapatos, mas muita saliva e energia. Algumas devotaram a própria vida em defesa do amadurecimento da democracia, que hoje permite a todas a livre expressão de sentimentos e ideias.

Desde então, não houve acontecimento social significativo em nosso país que não tenha contado com a presença das mulheres como força decisiva. A luta pela anistia aos presos políticos em 1979 e a retomada do estado de direito com eleições diretas em 1984, passando pela Constituição cidadã de 1988.

As leis em favor de direitos sexuais e direitos reprodutivos, as de proteção à maternidade e à infância, a lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) e a mais recente do feminicídio (Lei 13.104/2015) foram escritas também pelas mãos dessas perseverantes e inquietas caminhantes.

Apesar de tanta labuta, a parcela de 40% da força produtiva nacional permanece tratada com diferença e discriminação, apanhando e sendo abusada em sua intimidade. O mapa da violência divulgado na última semana aponta o assassinato de 13 mulheres por dia no Brasil em 2013. O que mais choca é saber que o agressor faz parte das relações de afeto dessas mulheres, o que aumenta a grave realidade da crescente desagregação familiar. No conjunto de todas as faixas etárias pesquisadas, predomina a violência doméstica. De acordo com o mapa, parentes imediatos ou parceiros e ex-parceiros são responsáveis por 67,2% do total de atendimentos registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.

Mais de 10 projetos de lei tramitam na Câmara dos Deputados para aniquilar direitos das mulheres, principalmente nas áreas de saúde, educação e direitos humanos. Entre eles o de nº 5069/2013, do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que de forma inaceitável dificulta o acesso ao aborto nos casos legais.

Na política também a mulher continua longe de alcançar seu necessário e legítimo lugar de poder. A presença delas no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, assembleias legislativas, Câmara Distrital e câmaras municipais chega a cerca de 10%. Entre as 27 unidades da federação, apenas uma governadora eleita para cargo no Poder Executivo, além da presidenta Dilma Rousseff, que tem ao seu lado cinco ministras.

A igualdade salarial ainda está longe de ser uma realidade, como mostra a pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado na última sexta-feira (13/11). O estudo indica que elas continuaram a ter em 2014 salários menores que os dos homens. Em média receberam 74,5% em comparação à renda masculina.

Dia 18 de novembro as marchadoras negras ocuparam a Esplanada dos Ministérios em Brasília. Ao lado delas estavam as margaridas e mulheres do campo, as mulheres brancas, as idosas, as índias e das águas, as quilombolas, as gestantes, as com ou sem deficiência física ou mental.

Independentemente da classe social a que pertençam, do nível educacional, da orientação sexual e se sejam trabalhadoras ou desempregadas. Todas estarão nesse momento conectadas e em sintonia com os corpos, mentes e corações da metade mulher do Brasil.

De norte a sul, as mulheres continuarão marchando com o olhar no futuro, sem aceitar nenhum passo de retrocesso nas leis, mas sim lutando por mais direitos, mais igualdade e mais dignidade no caminho da verdadeira emancipação social.

Vanessa Grazziotin

PCdoB-AM

Procuradora Especial da Mulher

Senado Federal

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