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Importante legado do artista sacro que o Brasil esqueceu

Publicado em: 29/07/2011

Campus online – Fabiane GuimarãesDentro do Museu da Boa Morte, na cidade de Goiás, santos esculpidos por José Joaquim da Veiga Valle observam visitantes, as fisionomias serenas habilmente talhadas. São peças em estilo barroco, semelhantes ao trabalho desenvolvido por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, em Minas Gerais. Mas, ao contrário deste, as obras de Veiga Valle receberam pouca projeção nacional. A memória do artista é garantida por habitantes da cidade, que lutam pelo reconhecimento não recebido em vida.

Veiga Valle nasceu em Meia-Ponte, hoje Pirenópolis, em 1806. Em 1841, mudou-se para a cidade de Goiás, encarregado de dourar altares pelo próprio presidente da província. Foi juiz municipal, major e deputado, homem de posses e artista nas horas vagas. Não há indícios de qualquer formação artística, o que levanta a hipótese de ele ter sido autodidata. Versão que alguns contestam, dentre estes Marly Mendanha, artista plástica e diretora da Escola de artes Veiga Valle. “Seu trabalho apresenta um estudo profundo de anatomia e cores”, ela defende.


Veiga Valle trabalhava com cedro, madeira macia e abundante na região. Dedicado e minucioso, deixava troncos abatidos em repouso por oito meses na sombra. Depois desse prazo, cortava cepos de vários tamanhos, mergulhava-os em infusão de ervas e cozia em imenso tacho de cobre. Esse processo acarreta maior dilatação da madeira, evita rachaduras, ação de cupins, e garante mais vida útil à obra. Nas esculturas de santos, o artista esculpia partes do corpo separadamente e os encaixava depois. Na etapa conhecida como encarnação, revestia a peça em gesso e aplicava fina camada de clara de ovo, ou boldo africano, para fixar ouro e prata. O resultado final são imagens ainda conservadas cujos ornamentos impressionam pelos detalhes.

Segundo Elder Camargo de Passos, maior pesquisador do santeiro goiano, Veiga Valle produziu cerca de 200 peças sacras. Boa parte delas encontrava-se nas igrejas da cidade e casas de família. Hoje, o maior acervo reunido encontra-se no Museu da Boa Morte, na Cidade de Goiás.

Herança

Em junho deste ano o artista foi homenageado no Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica). Na ocasião, alunos da Escola de artes plásticas Veiga Valle expuseram releituras das obras do autor. A instituição, pública e fundada em 1968, oferece cursos de desenho, escultura, pintura e canto coral. Marly Mendanha, que antes de ser diretora lecionou por 23 anos, lembra a arte do conterrâneo desde as primeiras aulas. Ela também usa o cedro como matéria-prima para xilogravuras e friza o trabalho de Veiga Valle, de traços e cores resistentes ao tempo, como de inestimável valor cultural para a cidade.

Se existe a possibilidade de conhecer o “Aleijadinho de Goiás”, é graças ao trabalho de pessoas como Antolinda Borges, responsável pelo Museu da Boa Morte. Aos 79 anos, ela é capaz de recordar ocasiões em que pediu doações para salvar o trabalho do escultor. Ela conta, bem humorada, a respeito de algumas discussões com o antiquário José Nóbrega, que nos anos 1950 coletava artigos de arte sacra no interior do país com destino à região sudeste. Para evitar que obras de Veiga Valle fossem vendidas a ele, levantava dinheiro como podia e as adquiria primeiro. Até então, a maioria era de propriedade da família do artista, muito conhecida na cidade e cujos descendentes também contribuíram para o universo artístico. Questionada a respeito de como conseguiu reunir tantas peças e manter o museu preservado, ela responde bondosamente: “Eu peço”.

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