Compartilhar
Tweetar

NYT: De que lado você fica quando os artilheiros anticorrupção são corruptos?

Publicado em: 05/07/2019

Por VANESSA BARBARA

Redatora-colaboradora do NYT

July 5, 2019

Tradução: Ana Alakija

SÃO PAULO, Brasil – Na superfície, a “Operação Lava Jato” tem sido uma cruzada virtuosa contra a corrupção política neste país.

Nos últimos cinco anos, essa investigação federal revelou amplos esquemas de propinas envolvendo executivos e políticos mais importantes do Brasil. A operação levou a processo criminal 429 indivíduos, e à condenação, 159 deles. As agências de notícias cobriram avidamente cada etapa da investigação, pressionando e elogiando a derrubada de uma cultura de corrupção na política brasileira. A investigação deveria, em teoria, ser uma fonte de orgulho para nossa jovem democracia – só que essa não é a história toda.

Desde o início, a Operação Lava Jato recorreu a procedimentos questionáveis, como usar prisões preventivas para forçar confissões e confiar demais em acordos generosos de barganha. Mas isso não parece suficiente para descartar seus esforços contra a corrupção em grande escala, pelo menos aos olhos do público.

Então, no dia 9 de junho, o site de notícias The Intercept Brasil publicou o primeiro de uma série de reportagens lançando dúvidas sobre a integridade dos principais atores da investigação. Os jornalistas obtiveram, de fonte anônima, um arquivo massivo de textos privados, trocados pelo serviço de mensagens Telegram, entre promotores federais e o juiz principal da Operação Lava Jato, Sergio Moro. (Nós vamos falar sobre ele mais adiante.)

As mensagens vazadas mostram que Sr. Moro frequentemente ultrapassou seu papel de juiz ––alguém que deveria ser imparcial e livre de pré-julgamento––para atuar como um consultor da acusação. Ele ofereceu conselhos estratégicos aos promotores: que eles deveriam, por exemplo, inverter a ordem das várias fases da investigação; pensar novamente sobre uma moção específica que eles estavam planejando arquivar; acelerar certos processos; desacelerar outros. Sr. Moro passou informações sobre uma possível nova fonte para a promotoria; repreendeu os promotores quando demoraram demais para realizar novos “ataques”; endossou ou desaprovou suas táticas; e forneceu-lhes conhecimento antecipado de suas decisões.

As revelações lançaram nova luz sobre a convicção de Sr. Moro sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2017. (No Brasil, os julgamentos por júri são restritos a crimes contra a vida, como homicídio e infanticídio. Em outros casos criminais, o mesmo juiz quem supervisiona a investigação é também aquele que julga e sentencia o acusado.) O político de esquerda, que governou o país de 2003 a 2010, está atualmente preso, tendo sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele foi considerado inelegível para concorrer à presidência precisamente no momento em que as pesquisas mostraram que ele era o favorito na corrida de 2018. A conveniente detenção de Sr. Da Silva preparou o caminho para a eleição do extremista de direita Jair Bolsonaro, que na época – pasmem – gentilmente nomeou Sr. Moro como ministro da Justiça do Brasil.

De acordo com o material publicado pelo site de notícias The Intercept Brasil, no decorrer da investigação, Sr. Moro se envolveu em questões de cobertura da imprensa e se preocupou em obter apoio do público para a acusação. “O que você acha dessas declarações malucas do comitê nacional do PT? Deveríamos nós refutarmos oficialmente? ”Ele perguntou uma vez ao promotor federal Deltan Dallagnol, referindo-se a uma declaração do Partido dos Trabalhadores de Sr. Da Silva, na qual a acusação era considerada uma perseguição política. Observe o uso da palavra ‘nós’ – como se o Sr. Moro e o Sr. Dallagnol estivessem no mesmo time.

Isso tudo é, claro, altamente imoral – se não totalmente ilegal. Não viola nada menos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz: “Todos têm direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por um tribunal independente e imparcial, na determinação de seus direitos e obrigações e de qualquer acusação criminal”.  De acordo com o Código de Processo Penal do Brasil, os juízes devem ser árbitros neutros e não podem dar conselhos a nenhuma das partes em um caso. Moro também violou muitas disposições do Código Brasileiro de Ética Judicial, particularmente uma que diz que o juiz deve manter “uma distância equivalente das partes”, evitando qualquer tipo de comportamento que possa refletir “favoritismo, predisposição ou prejulgamento”.

Quando os vazamentos foram relatados pela primeira vez, a força-tarefa da Lava Jato e o Sr. Moro não contestaram a autenticidade do material, argumentando, em vez disso, por Sr. Moro, que as mensagens mostravam “nenhum sinal de qualquer anormalidade ou orientação como magistrado”. Ele também expressou consternação com a “falta de indicação da fonte da pessoa responsável pela invasão criminosa dos celulares dos procuradores” – mesmo que as razões do The Intercept para não divulgar sua fonte sejam óbvias.

Alguns dias depois, porém, o Sr. Moro mudou de estratégia. Ele começou a questionar a autenticidade das mensagens, que, em sua opinião, poderiam ter sido adulteradas. Durante uma audiência no Senado em 19 de junho, em uma aparente tentativa de confundir a nós ou a ele mesmo, ele tentou as duas explicações ao mesmo tempo: se uma certa mensagem “é autêntica”, ele disse, “mesmo que seja autêntica, o conteúdo é absolutamente legal. Não há problema com esse tipo de declaração. Se essa mensagem é totalmente autêntica. Como eu disse: não me lembro há três anos se enviei uma mensagem dessa natureza”.

(A propósito, meu trecho favorito do material vazado é uma troca de informação entre Sr. Moro e Sr. Dallagnol. Na mensagem, Sr. Dallagnol informa a Sr. Moro que ele apresentou uma petição como um movimento estratégico, mas que Sr. Moro, diz Sr. Dallagnol, deveria “sentir-se livre, é desnecessário dizer, para negar” o pedido. Eu admiro a polidez do promotor aqui, que não quis parecer muito agressivo e ofereceu ao juiz a escolha de decidir livremente, desta vez.)

Além da colaboração legal do Sr. Moro, os textos também revelam outros delitos, como o fato dos promotores terem discutido estratégias para impedir que o Sr. Da Silva concedesse entrevista da cadeia antes das eleições, já que isso poderia ajudar o candidato do Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad.

Tudo somado, os vazamentos revelam um juiz imoral, que se uniu a promotores motivados eleitoralmente, a fim de prender e condenar indivíduos que já consideravam culpados. A única questão era: qual a melhor maneira de fazer isso.

O conteúdo chocante dessas trocas pode dar aos advogados de defesa novos fundamentos para apelar contra as condenações. No ano passado, os advogados de Sr. Da Silva recorreram à Suprema Corte e exigiram um novo julgamento, argumentando que Moro não foi imparcial; as mensagens vazadas foram adicionadas à petição, fortalecendo o caso.

A Ordem dos Advogados do Brasil pediu a suspensão dos envolvidos no escândalo, dizendo, em um comunicado escrito, que “a gravidade dos fatos não pode ser desconsiderada, exigindo uma investigação completa, justa e imparcial”.

Mas quase um mês se passou desde os primeiros relatórios do The Intercept. Efetivamente, nada foi feito.

E por incrível que pareça, Sergio Moro ainda é nosso ministro da Justiça.

 

 

International Press Committee (IPC) Rede Defend Democracy (Brasil) 

Ana Alakija  ana.alakija@gmail.com (IT)

Ana Paula Vargas  paula.vargas@gmail.com   (US)

Simone de Morae s simonedemoraes2009@gmail.com  l

Mery Bahia  meryba2222@hotmail.com   (Brazil)

Milla Gentil  millagentil@yahoo.com   (CA)

Maria Alice Campos  nareal.alice@gmail.com   (PO)

 

(Visited 1 times, 1 visits today)
Compartilhar
Tweetar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados

Nos apoie:

Chave PIX:

13.219.847/0001-03

Chave PIX:

13.219.847/0001-03