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A cobertura do Pan e a censura da Globo

Publicado em: 20/10/2011

Observatório do Direito à Comunicação  – Mariana Martins – Desde o último dia 14, quando teve início os jogos Pan-Americanos de Guadalajara, os brasileiros passaram a ser reféns de uma disputa que já se desenhava há algum tempo. Quando a Rede Globo perdeu para a sua principal concorrente, a Rede Record, os direitos de exclusividade nas transmissões do Pan, os temas relacionados à competição passaram a ser tratados como tabus pela emissora, que agora, durante o evento, faz questão de não se referir às conquistas do Brasil. Nas poucas vezes que noticiou o evento, usou de forma indevida as imagens, retirando a logomarca da emissora detentora dos direitos de transmissão.


Vale aqui deixar claro que o problema que envolve a atual cobertura do Pan-Americano de Guadalajara não é apenas uma questão de disputa comercial entre as emissoras. A ridícula cobertura do evento feita pelo maior conglomerado de mídia do país, além de um atentado à inteligência do público e um desrespeito descomunal a sua necessidade de informação, é também um atentado à legislação nacional.

Graças a um forte movimento nacional que luta pela democratização da comunicação no Brasil, que discute atualmente um novo marco regulatório para as comunicações e que foi responsável pela realização da I Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, torna-se cada vez mais conhecida a condição de concessionária, permissionárias ou autorizadas de serviço público de que gozam as emissoras de rádio de televisão do país. E não de donas. Mas isso precisa ficar ainda mais claro para um maior número de pessoas para que toda população saiba que quando questionamos a cobertura do Pan pela Rede Globo estamos falando não somente de uma opção da emissora pela omissão, mas de uma violação do direito à informação, garantido pelo artigo 5° da Constituição Federal Brasileira.

Televisão é concessão pública

A exploração dos serviços de radiodifusão, como são conhecidas as transmissões de rádio e televisão, são outorgadas pelo governo por meio de concessões, permissões e autorizações para transmissão dos sinais que dão origem às imagens e sons que recebemos de veículos de comunicação. Ser concessionário, permissionário ou autorizado dá direito a um determinado grupo transmitir informações e entretenimento à população, e prevê alguns deveres.

A Constituição Brasileira atribui ao acesso à informação a condição de direito, e uma das formas de garantir esse direito é por meio dos meios de comunicação. Empresários, imbuídos de uma responsabilidade pública de prestar, dentre outros serviços, o da informação, concorrem a concessões de meios de comunicação. Como não poderia ser diferente, ao receberam as outorgas empresas ou grupos econômicos devem cumprir preceitos constitucionais e obrigações legais.

Entre os deveres estabelecidos pela Constituição para os prestadores dos serviços de comunicação estão alguns princípios como os de cumprir com “as finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas da programação” bem como “promover a cultura nacional”. A discussão sobre os direitos de transmissão de eventos esportivos não retira das emissoras o dever de prestar informação ao público, mesmo quando a emissora não é a detentora dos direitos de transmissão de tais eventos. Desde que sejam de interesse público está mantida a obrigatoriedade, ou seja, o respeito com o público.

O que a Rede Globo vem fazendo com os Jogos Pan-Americanos de Guadalajara constitui violação também do artigo 220 da Constituição Federal, que abre na Carta o capítulo da Comunicação Social e que diz ser “vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Ao contrário do prega em seus manuais e editoriais, a Globo é hoje uma promotora da censura, não da censura oficial e de governo que ela tanto se diz contrária, mas a censura interna, dos veículos, dos grupos, a censura que é ideológica, política e econômica. Assusta ver os profissionais deste conglomerado serem expostos a isso e se calarem. Não dá para dizer que eles não sabem que esta postura se volta contra o direito que eles deveriam ter garantido de exercer livremente a sua profissão, para cumprir com o seu dever.

É revoltante saber que este mesmo grupo daqui a muito pouco vai tentar taxar de censura – como já vem fazendo com o projeto – uma possível regulação da comunicação. Uma regulação, que ao contrário do que a Rede Globo faz questão de repassar para seus telespectadores, quer justamente criar mecanismos para que a Constituição seja, de fato, cumprida e que situações como estas de violações claras possam ser, de fato, punidas. Os meios de comunicação devem lembrar, e toda a sociedade deve saber, que quem não cumpre com seus deveres de concessionário de um serviço público deve responder por isso. Seja uma escola que não cumpre com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, seja um grupo de mídia que não cumpre com o seu dever de informar. E é com essa cobertura do Pan que a Rede Globo evidencia a sua condição de grande censora e violadora do direito à informação e denuncia ainda o porquê do seu medo de uma regulação atualizada e decente. Quem pratica a censura tem como característica ditar as suas próprias leis e não ser guiado ou regulado pelos interesses público.

 

 

* Mariana é jornalista, professora de Ética e de Legislação e Direito à Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UnB. Membro do Laboratório de Políticas de Comunicação e do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

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