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Justiça dos EUA condena atacantes do Capitólio. E o que isso tem a ver com o Brasil?

Publicado em: 30/11/2022

Ana Alakija
Ana Alakija

De Boston – O fundador da Oath Keepers, Stewart Rhodes, e Kelly Meggs, outro líder dessa organização norte-americana de extrema direita, foram considerados culpados nesta terça-feira, dia 29 de novembro, pela Justiça norte-americana de conspiração sediciosa pelo ataque mortal ao Capitólio dos EUA, com sentenças que vão até 20 anos de prisão. E o que isso tem a ver com o Brasil?

 

É que Rhodes e seus comparsas são partidários do ex-presidente da República dos EUA, Donald Trump. A condenação da trupe amotinada é considerada uma vitória importante para o Departamento de Justiça estadunidense porque coloca a balança cada vez mais perto de tender para a culpabilidade do ex-presidente como o chefe-mor dessa conspiração. E, quando a Justiça dos EUA colocar Trump na cadeia, a Justiça brasileira terá uma excelente thread de conluio contra o Estado democrático brasileiro de Direito para enquadrar o clã Bolsonaro, constituído pelo atual ocupante do cargo de presidente da República do Brasil Jair Bolsonaro e seus  quatro filhos– todos sob investigação da polícia por motivos diversos.

 

A Justiça tropical já tem uma série de evidências de ligações entre o clã Bolsonaro e Trump, de quem estaria recebendo orientação e financiamento para fomentar as manifestações golpistas que vem ocorrendo no país  pela reversão do resultado do pleito presidencial em 30 de outubro que elegeu Luís Inácio Lula da Silva presidente da República. Isso inclui a organização criminosa de fake news comandada pelo filho-vereador do presidente, Carlos Bolsonaro (chamado de ‘zero dois’ pelo próprio pai na hierarquia do HQ familiar), que dá suporte a essas manifestações, incluindo evidências de ramificações nos Estados Unidos e outros países.

 

Os outros três filhos são o ‘zero três’, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, envolvido diretamente com Trump como será visto adiante; o ‘zero um’, senador Flávio Bolsonaro, envolvido com seu irmão deputado num processo de corrupção conhecido como “rachadinhas” e um misterioso relacionamento com o assassino da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, em 2019; e o  ‘zero quatro’,  Jair Renan Bolsonaro, emaranhado em atividades ilicitas de lobby,  influência e enriquecimento não usual principalmente para um rapaz com 24 anos de idade. Mas há ainda a esposa, ex-esposas, outros parentes… cuja maior evidência de atuação de negócios excusos em famílias  é a compra de vários imóveis (51? mais de uma centena?) em dinheiro vivo, uma prática usada para lavagem de dinheiro, conforme reportagem do Uol. O presidente tem ainda uma filha mulher, que segundo ele próprio, teria sido uma ‘fraquejada’.

 

O clã brasileiro tem ligações explícitas com Trump e seus sequazes de longo tempo, que vão desde a posse do presidente norte-americano. Elas se fortaleceram durante o episódio do motim no Capitólio de 6 de janeiro de 2021. O ataque ao Capitólio, que tentou impedir o anúncio oficial de Joe Biden como presidente eleito dos Estados Unidos derrotando Donald Trump, deixou o saldo de cinco mortos e uma funesta previsão de que o Brasil poderia/ poderá passar por situação similar incitada pelos Bolsonaros para impedir a diplomação do presidente recém-eleito, Luís Inácio Lula da Silva. A cerimônia de nomeação de Lula está prevista para meados de dezembro e a posse para 1º de janeiro de 2023.

 

Sobre o tumulto mortal em Washington, há o registro de uma ‘coincidente visita’ do filho deputado de Jair Bolsonaro apelidado de ‘Eduardo Bananinha’ e sua esposa a Trump e sua filha Ivanka, em Washington, no período do motim. O deputado negou de que ele teria participado de uma reunião do tipo “conselho de guerra” na véspera do evento que teria definido as estratégias do ataque. Mas há evidencias de encontros dele com os conselheiros de Trump que possivelmente planejaram o ataque. A exemplo de Stephen Bannon  (que o ‘zero três’ conheceu bem antes e articulou uma network de informação sul-americana) e Michael Lindell, um teórico conspiracionista, dentre outros.

 

A propósito, o apelido “Bananinha” foi dado quando o deputado se vangloriou de saber fazer um bom hamburger como uma habilidade significativa para ocupar o cargo de embaixador do Brasil nos EUA; mas saiu do pleito, quando pai e filho perceberam não ter simpatia dos congressistas brasileiros para aprovação do seu nome, nem do próprio Trump, que no início estava nem aí para o Brasil. Mas a coisa mudou de figura. O Brasil passou a ser tão importante para os projetos de Trump de voltar ao cenário político como presidente da maior potência do planeta tanto quanto o seu apoio a Bolsonaro e sua (de Trump) reeleição passaram a ser vitais para os Naros.

 

Uma informação valiosa recente dessas ligações perigosas veio da polícia de Nova Iorque, como denunciou a revista Veja na edição da semana passada.  O principal conselheiro político de Trump responsável pela campanha que o levou a presidente da República em 2016 contra Hillary Clinton e mentor dos ataques ao Capitólio, o estrategista político Stephen Bannon, teria financiado manifestações golpistas recentes de brasileiros residentes nos EUA. Especialmente aquelas contra integrantes da equipe de transição do governo eleito Lula e ministros da Suprema Corte Brasileira que vieram fazer palestra na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (Conferencia da Lide)  nos dias 14 e 15 de novembro em Nova Iorque, atirando-se inclusive sobre os carros que conduziam as autoridades em comportamento bastante ameaçador.

 

As relações políticas entre os Naros e Trump não pararam por aí. Segundo o Washington Post, Eduardo Bolsonaro teria visitado a Flórida desde a votação de 30 de outubro e se encontrado com Trump na residência privada de Trump, do Mar-a-Lago, e traçado estratégias com outros aliados políticos por telefone, como o Stephen Bannon e o ex-porta-voz da campanha de Trump, Jason Miller. Miller é CEO da empresa de mídia social conservadora e ultra-direita alternativa ao Twitter,  a Gettr. Ele está também envolvido nas investigações de ataque ao Capitólio.

 

Bannon tem uma péssima trajetória do lado errado da história. Para trilhar seu passado, basta entrar com o nome dele nos sites de busca da Internet. No caso do episódio Capitólio, em 21 de outubro passado, ele foi considerado culpado e condenado  no dia 21 de outubro por um tribunal de júri a quatro meses de prisão por duas acusações: obstrução da Justiça e desacato ao Congresso, além de uma multa de $6,500 dólares mais U$200,000 dólares a serem pagos aos cofres públicos pelo valor da causa. Bannon permanece livre enquanto aguarda seu recurso. Por ter servido como coordenador político estrategista da Casa Branca durante os primeiros 7 meses da administração Trump, ele está querendo se livrar da condenação do tribunal baseado em foro privilegiado, e que, portanto, não teria que prestar qualquer informação ao Comitê do Congresso Nacional de apuração dos atos de ataque ao Capitólio.

 

O passado mais recente do construtor do muro inacabado que estabeleceu fronteira entre os EUA e o Mexico, está ligado à empresa norte-americana de notícias e opinião Breitbart News, como ex-presidente executivo e ao conselho da agora extinta empresa inglesa de análise de dados Cambridge Analytica. Ambas as companhias conservadoras estiveram envolvidas no escândalo de compra de perfis de usuários do Facebook, e criação/distribuição de conteúdos considerados misógino, xenófobo e racista por acadêmicos e jornalistas, além da publicação de várias teorias da conspiração da QAnon e histórias intencionalmente manipuladas e enganosas. É atribuída aos cabeças dessas empresas a derrubada de democracias, genocídios, caça às bruxas e guerras usando ferramentas da propaganda nas mídias sociais e o negacionismo. É só googlar Bannon ou o nome dessas empresas para comprovar.

 

Quanto a Donald Trump, cujos mal exemplos de vida começaram ainda na juventude como um homem de negócios fraudador do fisco, acumulam, sobre ele, acusações de vários crimes, dos quais ele vem driblando como pode. No caso vinculado ao episódio do Capitólio, esses crimes vão desde a alegação falsa de fraude eleitoral generalizada e tentativa de anular os resultados da eleição de Biden pressionando funcionários do governo, dezenas de contestações legais malsucedidas e obstrução da transição presidencial, além da incitação de seus apoiadores a marchar até o Capitólio e que muitos deles atacaram, resultando em mortes e interrompendo a contagem dos votos eleitorais. A invasão da sua mansão em Mar-a-Lago em Florida por agentes do FBI para obter provas da sua participação como ator principal da invasão do Capitólio, não renderam provas exatamente contra ele. Segundo The Atlantic, os documentos pareciam mais terem sido guardados por motivo sentimental.

 

delegação brasileira com Senador Bernie Sanders

Qualquer coincidência desse cenário com o palco brasileiro não é mera coincidência. Com algumas variações. O chefe capitão-mor brasileiro só não pode cumprir o seu intento de derrubada democrática e implantação de uma ditadura civil-militar devido a uma resolução aprovada no Congresso norte-americano de sanções contra o Brasil pelos EUA caso houvesse tentativa de golpe. A resolução foi construída graças a um movimento de brasileiros (e não-brasileiros) democratas vivendo nos Estados Unidos  e diversas organizações brasileiras que se fizeram representar em reunião com congressistas democratas norte-americanos, como o senador Bernie Sanders.

 

Biden reconheceu de imediato a eleição de Lula, sendo um dos primeiros senão o primeiro estadista a telefonar para felicitá-lo. Em seguida Lula recebeu telefonemas de vários outros chefes-de-estado e convites para se reunir e participar de eventos dos mais significativos no cenário internacional, a exemplo da Conferencia do Clima (COP27).  Ainda que não fosse orador oficial do Brasil ou um chefe de estado de fato, Lula ofereceu em discurso, a Amazônia, como sede para a próxima COP em 2025.

 

Como se não bastasse o não reconhecimento da vitória de Lula (embora declarasse que o seu gabinete receberia a comissão do governo de transição), o mutismo e apoio velado as manifestações golpistas, Jair Bolsonaro, em sua última tentativa de golpe contra a democracia brasileira, teria usado o seu partido político, o PL, para pagar uma “auditoria” privada milionária com o objetivo de descredenciar varias urnas usadas no segundo turno da eleição. Segundo a auditoria, com a anulação das urnas, Bolsonaro teria ganho a eleição com 51% dos votos. O argumento foi recharçado pela Suprema Corte Federal que puniu  e multou  em R$22 milhoes de reais o partido por litigância de má fé–uso indevido de recursos públicos e por não ter incluído no litígio, em 24 horas, o primeiro turno do pleito – afinal as urnas usadas foram as mesmas para ambas os turnos eleitorais. E, no primeiro turno da eleição o partido do presidente teria sido beneficiado com a eleição de uma bancada com mais de 80% de congressistas.

 

Ainda assim, os Naros continuam atentando contra a democracia  brasileira e pelo visto só vão parar quando houver uma ação incisiva mais enérgica da Justiça. O comportamento criminoso mais recente de sabotagem ao estado democrático de Direito pode vir a ser uma auto-declaração do deputado “Bananinha’ durante os jogos da Copa da Mundo. Ele apareceu nas midias sociais se divertindo ao lado de sheikhs e recebeu críticas de seus apoiadores no Brasil, que amargam a derrota das eleições em manifestações golpistas nas estradas e muros dos quartéis há mais de 30 dias sob sol e chuva, pedindo intervenção militar, anulação da eleição e ameaçam a não realização da posse do novo presidente (Lula) eleito. Então ele gravou um vídeo dizendo que tinha ido ao Catar em missão oficial, embora a Câmara não registre isso e até providencie que ele estava no Brasil quatro horas antes (!), levando pen drives com farto material “denunciando a situação no Brasil”.

 

A JUSTIÇA NORTE-AMERICANA

 

Os veredictos da Justiça norte-americana contra Rhodes e quatro co-réus, após três dias de deliberações do júri de 12 membros, vieram no julgamento de maior destaque até agora sobre o ataque mortal de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA, uma fracassada tentativa de derrubar a derrota eleitoral do então presidente Trump em 2020. Rhodes, um ex-pára-quedista do Exército formado pela Yale Law School e advogado cassado, foi acusado pelos promotores durante um julgamento de oito semanas de conspirar usando a força para tentar impedir o Congresso de certificar a vitória eleitoral do presidente democrata Joe Biden sobre o republicano Trump.

 

Todos os cinco réus foram condenados por obstrução de um processo oficial – a certificação do Congresso dos resultados eleitorais – com veredictos mistos sobre um punhado de outras acusações. As acusações de conspiração sediciosa e obstrução de um processo oficial acarretam sentenças de até 20 anos de prisão. Mais dois julgamentos de alto nível relacionados ao ataque devem começar no próximo mês. Quatro outros membros do Oath Keepers enfrentam acusações de conspiração sediciosa, assim como membros do grupo de direita Proud Boys, incluindo seu ex-presidente Enrique Tarrio.

 

Rhodes, que usa um tapa-olho depois de atirar acidentalmente no rosto com sua própria arma, é um dos réus mais proeminentes dos cerca de 900 acusados pelo ataque (Meggs, que chefia o capítulo da Oath Keepers na Flórida, foi o único réu além de Rhodes neste julgamento que desempenhou um papel de liderança na organização), embora no dia 17 de novembro ultimo, um tribunal de juri tenha sentenciado  ‘QAnon Shaman’ Jacob Chansley a 41 meses de prisão por participar  motim do Capitólio dos EUA,  um dos primeiros réus criminais entre mais de 660 casos de motim do Capitólio a receber uma punição.

 

Chansley ganhou fama como o “QAnon Shaman” (por sinal uma comparação grotesca da qual não compactuo com os xamãs protetores da floresta), uma figura conhecida no movimento on-line marginal e por fotos amplamente compartilhadas que o capturaram usando pintura facial, um cocar dentro da câmara do Senado e carregando uma bandeira americana em um mastro de madeira, considerada pelo júri como uma arma. O Departamento de Justiça pediu que Chansley recebesse uma sentença severa como forma de dar o exemplo aos manifestantes de 6 de janeiro, e os promotores posicionaram Chansley como emblemático de uma multidão violenta e aterrorizante. Ele teria deixado um bilhete do proprio punho no prédio do Senado ameaçando a vida do vice-presidente Mike Pence, que se recusou a admitir fraude nas eleições a pedido de Trump com as denúncias de  vindas da multidão, e sobre suas escolhas naquele dia. “É apenas uma questão de tempo. A Justiça está Chegando!” de acordo com seus documentos dos autos, como reportou a CNN.

 

A promotoria bateu forte e disse que antes de 6 de janeiro, Chansley “postava mensagens mordazes nas redes sociais, encorajando seus milhares de seguidores a expor políticos corruptos, identificar os traidores do governo, interromper sua agenda, impedir o roubo e acabar com o estado profundo”. “Foi um chamado para a batalha.”Após o motim mortal e sua prisão, Chansley pediu perdão ao então presidente Donald Trump. Ele também fez greve de fome na tentativa de conseguir alimentos orgânicos enquanto estava sob custódia e falou ao programa de TV  “60 Minutes” da prisão sem permissão. Ele também descreveu o desejo de viver sua vida como Jesus Cristo e Gandhi. Em setembro, Chansley se declarou culpado de obstrução da certificação do Congresso para a votação de 2020 para aliviar a sua pena. Além de 41 anos de cadeia, ele terá que pagar $ 2.000 pelos danos causados ao prédio do Capitólio durante o motim e cumprirá três anos de liberdade supervisionada no final de sua pena de prisão.

 

A justiça norte-americana também já julgou um jovem de 23 anos, Matthew Ryan Miller, que se declarou culpado  em obstruir o anúncio da declaração da vitória de Joe Biden naquele 6 de janeiro de 2021.  Miller foi flagrado pelas câmaras de video usando uma escada como barricada e também acionou um extintor de incêncio contra um policial.  Ele foi sentenciado em fevereiro deste ano a três anos de prisão.

 

Nas últimas semanas, a equipe do The Atlantic de mais de 20 pesquisadores revisou documentos judiciais e cobertura da mídia para obter informações sobre dados demográficos, características socio-econômicas e afiliações a grupos militantes (se houver) de todos os presos pelo FBI, Polícia do Capitólio e Washington, D.C., polícia por crimes relacionados à insurreição de 6 de janeiro. Eles consideram os desordeiros como fundamentalistas Americanos. No final da semana passada, The Altlantic informa que  235 pessoas se enquadravam nessa categoria, e o número deve crescer.

 

Seguindo esse padrão, 20 dos detidos do Capitolio estudados – um décimo – podem ser classificados como partidários de gangues, milícias ou grupos semelhantes a milícias, como Proud Boys, Oath Keepers e Three Percenters. O papel que tais grupos desempenharam no motim atraiu considerável cobertura da mídia. Mas 89% dos detidos não têm afiliação aparente com nenhuma organização militante conhecida.

 

Com a punição desses radicais extremistas, a justiça norte-americana nos acena com um prenúncio positivo do futuro daqueles que atentam hoje contra o estado democrático de direito no Brasil. Que esses exemplos façam algum sentido na consciência daqueles que hoje atacam a democracia brasileira  nas ruas se dizendo “patriotas”. Lembrando que a justiça se fará  provavelmente e primeiro entre os mais vulneráveis. Na verdade, ela já começou batendo na porta do médio e baixo clero, a exemplo de Roberto Jefferson,  Daniel Silveira, Abraham Weintraub, Allan dos Santos… Esses dois últimos escondidos nalgum lugar nos EUA, para não prestar contas. A próxima a receber uma visita da justiça pode ser Carla Zambelli.

 

Ana Alakija é jornalista com Mestrado em História pela Salem State University, Massachusetts

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