Nesta semana, as redes sociais repercutiram um caso de jornalismo sensacionalista policialesco, onde uma repórter baiana humilha o entrevistado que é um rapaz negro, acusado de estupro (+aqui). O caso levou à indignação às raias de um processo virtual, petições e ações no Ministério Público, transformando a repórter Mirela Cunha da Band Bahia em algoz, mas vale lembrar que este não é o primeiro nem o único caso do gênero.
Na verdade, o estilo “espreme que sai sangue” não é nenhuma novidade no telejornalismo policial brasileiro, mas o caso não tem sido tratado como se deve, a julgar pela audiência crescente e nenhum tipo de providência é tomada contra os programas do gênero do Brasil Urgente da Band Bahia, que desencadeou esta reação. Já houve casos de apresentadores sugerirem “derrete e faz sabão”, sobre meninos de rua (+aqui) e até mesmo um dos ícones desse “gênero jornalístico” José Luiz Datena se indignar ao vivo e perguntar: “Como assim nenhuma morte?” em um acidente numa via paulista, envolvendo mais de 100 carros.
Como tomar providências, se os foros competentes não o fazem com celeridade? A começar pela casa do ferreiro, o espeto é de pau. O presidente da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) Celso Scroeder, ao ser questionado sobre o caso, respondeu que “o ambiente da blogosfera não é totalmente confiável”, antes de manifestar repúdio e informar que irá tomar medidas. Já a Band Bahia recusou responder à reportagem de Câmara em Pauta (+aqui) e a Band nacional afirmou em nota que vai “tomar todas as medidas disciplinares necessárias” e que “a postura da repórter fere o código de ética do jornalismo da emissora”.
O caso Mirella – “Neste tipo de programa policialesco violações aos direitos humanos são comuns, mas eu nunca vi o comportamento de uma repórter que chegasse a este nível de humilhação. Ela extrapolou todos os limites éticos da profissão. Inclusive, acredito, infringido normas legais ao colocar em situação vexatória uma pessoa em situação de fragilidade. Foi além de todas as barbaridades já cometidas por esse tipo de programa”, ponderou Laurindo Leal, ex-professor da Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA-USP) ao Blog do Rovai, primeiro a denunciar o caso. Para Rovai, o “debate sobre este caso é fundamental para que se impeça que outros supostos jornalistas se sintam à vontade para agir dessa forma”.
Após a repercussão, um abaixo assinado de jornalistas baianos foi para a internet (aqui), questionando “a conivência do Estado com repórteres antiéticos, que têm livre acesso a delegacias para violentar os direitos individuais dos presos, quando não transmitem (com truculência e sensacionalismo) as ações policiais em bairros populares da região metropolitana de Salvador”.
No documento, os jornalistas invocam o artigo 5º da Constituição Federal onde diz que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, fundamentos como a dignidade da pessoa humana e o artigo 6º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros que diz que “é dever do jornalista: opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Limites da indignação – A ação da sociedade civil encontra uma barreira entre a indignação e a ação propriamente dita. Que o diga o cidadão Mario Caporicci, que só contra a Band São Paulo e o Datena já moveu quatro ações publicas e duas pessoais, além de já ter acionado o MP contra os programas Pânico na TV, e o CQC. “Contra a Mirela o que me motivou é que nenhuma pessoa está acima da lei. Ela Advogou, foi Promotora, Juíza, julgou e deu a sentença. Racismo”, afirma Mário.
Na internet, foi marcado um protesto virtual para a manhã desta quarta (23), no twitter através da hashtag #SensacionalismoForaDoAr (+aqui). Aguardemos para ver se a Mirela será o Cristo da vez, servindo para redimir o jornalismo ou quantos tuitaços mais terão que ser feitos para acabar com o sensacionalismo do estilo “espreme que sai sangue” no jornalismo televisivo brasileiro.
O que esperar? – Nós do Câmara em Pauta acreditamos que este caso pode servir como o início de uma verdadeira cruzada contra esse tipo de jornalismo que é feito Brasil afora e que encontrou na Bahia um motivo para dizer “basta”.
Lembramos ainda que quase todas as afiliadas de emissoras em todos os estados têm seus representantes desse tipo de “jornalismo” e que, além do clima policialesco, direitos humanos e dignidade são violados também em quadros assistencialistas, estes últimos com direito a patrocínio.
Esperamos ainda que, devido à repercussão deste caso, as autoridades tomem finalmente algum tipo de providência contra esse tipo de propaganda que se propõe a ser “tribuna popular”, mas que vai além chegando às raias de um tribunal que sentencia, viola direitos e chega a incitar a violência.