Carlos Castilho no Observatório da Imprensa – Esta pergunta não é nova, mas esta semana provocou um grande bate boca na internet e nos meios jornalísticos. Ela foi feita por ninguém menos que o Editor do Público do jornal The New York Times. Arthur Brisbane fez, em sua coluna, uma pergunta que tocou numa das bases da profissão e deixou claro como está mudando o ambiente geral no jornalismo nesta era de transição de modelos informativos.
Os repórteres deveriam contestar as afirmações de um entrevistado quando houver evidências de que ele não está dizendo a verdade? A pergunta foi feita no momento em que se inicia a campanha eleitoral norte-americana para a sucessão do presidente Barack Obama e, como é praxe na política, os candidatos mentem, distorcem e omitem fatos pensando nas pesquisas de intenção de votos.
O contexto político e a sugestão de Brisbane não são específicos dos Estados Unidos, pois se referem a uma realidade existente em dezenas de outros países, inclusive aqui no Brasil. Temos eleições nacionais e regionais a cada dois anos, quando somos levados a testemunhar uma periódica avalancha de cinismo político, onde apenas os casos mais gritantes merecem alguma consideração crítica.
O papel da imprensa como patrulha do governo, políticos, empresários e personalidades públicas está consagrado na retórica convencional e nos manuais da mídia. Por isto não deveria surpreender e nem muito menos gerar resistências no meio profissional. Mas acontece que a realidade não é bem esta.
A questão da objetividade e isenção surge quase que automaticamente quando aparece uma discussão como a provocada pelo Editor do Público do NYT. Para os defensores da isenção, os jornalistas devem se limitar a reproduzir o que vêem ou ouvem, e só em ocasiões especiais, o que sentem e sabem. Seriam observadores acima dos conflitos de interesses e opiniões. Algo que o filosofo norte-americano Thomas Nagel tentou esclarecer cunhando a expressão The View from Nowhere, que poderia ser traduzida por observação a partir de nenhum lugar.
A isenção plena seria uma condição utópica onde o jornalista veria a realidade sem se envolver nela, como se estivesse observando o planeta Marte por um telescópio. É óbvio que este tipo de postura não existe, mas mesmo assim os quesitos isenção e objetividade fazem parte do discurso oficial das empresas jornalísticas e de muitos jornalistas.
A contradição entre a vigilância sobre o governo e a obrigatoriedade da isenção é uma das conseqüências da duplicidade de papeis imposta aos jornalistas depois da transformação dos jornais em indústrias da comunicação. A informação condiciona os jornalistas a uma responsabilidade direta com o fornecimento de dados, fatos e notícias que ajudem as pessoas a tomar decisões. Daí um compromisso total com a veracidade informativa e com o patrulhamento dos que a ignoram.
Para as empresas, a informação é um produto que chama publicidade, e com ela vem o faturamento. Para cumprir esta função, deve contar com a confiança dos anunciantes, razão pela qual o conteúdo editorial deve ser considerado imparcial para evitar a suspeita de manipulação por interesses políticos e corporativos.
Como as indústrias da comunicação se tornaram extremamente poderosas, tanto econômica como politicamente, a preocupação em reforçar a imagem da imparcialidade e isenção acabou sendo mais forte do que a promoção da vigilância cidadã. Daí o espanto com a pergunta de Arthur Brisbane e a polêmica desatada no blog PressThink, do professor de jornalismo Jay Rosen.
A idéia em debate é de que os jornalistas, ao detectarem uma inverdade pronunciada por um candidato, publiquem a declaração e em seguida acrescentem ao texto os dados, fatos e notícias que contradizem o entrevistado. Brisbane, mesmo se definindo como um tradicionalista em matéria de jornalismo, ressalta que o assunto merece ser discutido porque os leitores estão cobrando, com intensidade crescente, um maior compromisso dos jornais com a verdade.
O problema é que, segundo o Editor do Publico do NYT, como é que o jornal vai ser objetivo e isento no seu patrulhamento? O professor Rosen não dá uma resposta direta e, embora defenda a posição da “observação a partir de nenhum lugar”, propõe que o jornalismo volte a dar mais importância à busca da verdade do que à preocupação com a isenção. Ele chegou a comparar a situação dos jornalistas à do médico que passa a se preocupar mais com uma UNIMED que paga seus serviços do que com a saúde do paciente.
O público cobra mais compromisso dos jornais com a veracidade dos fatos, dados e noticias, enquanto as empresas, por sua própria dinâmica interna, são levadas a se preocupar mais com a imparcialidade e distanciamento dos fatos para tranqüilizar seus anunciantes. São duas situações diferentes. Cabe aos jornalistas fazer uma escolha.