“Foi hipotético”, diz secretário após chamar morto no DF de “zé”

Publicado em: 17/01/2014

O secretário-adjunto da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, Paulo Roberto Batista de Oliveira, disse nesta quinta (16) que “não tem preconceito contra qualquer tipo de pessoa” e que se referiu ao auxiliar de serviços gerais Antônio de Araújo como “um zé” de forma hipotética. Araújo foi visto vivo pela última vez ao ser detido por policiais e levado a uma delegacia da capital federal por ter supostamente entrado na chácara de um sargento da PM, em maio do ano passado.

“Gostaria de deixar bem claro que as forças de segurança e eu não temos qualquer tipo de preconceito contra qualquer tipo de pessoa. Foi um caso hipotético, inclusive durante aquela gravação que eu me coloquei como vítima e fiz uma referência genérica. A Secretaria de Segurança solidariza-se com a família da vítima. Temos prestado toda a assistência possível. Fiz uma observação geral de um caso qualquer dentro da minha experiência de Corregedoria”, argumentou.

Um zé – Na semana passada, o secretário-adjunto afirmou não parecer “lógico” que policiais militares tenham sido responsáveis pelo sumiço e morte de Pereira. “Tenho oito anos de Corregedoria e investiguei muitos PMs. Não me parece lógico, não estou dizendo que não ocorreu, que oito policiais tenham matado um ‘zé’ porque ele entrou na casa do cara”, disse.

Araújo foi detido no dia 27 de maio do ano passado por seis policiais militares por suposta tentativa de entrar na chácara de um sargento da PM, em Planaltina. Segundo a polícia, após ter a ficha consultada – que mostrou que ele nunca teve passagens criminais –, o auxiliar de serviços gerais de 32 anos foi liberado, mas nunca mais foi visto com vida. A ossada dele foi encontrada seis meses depois, em uma área de cerrado, também em Planaltina.

Não é o que a gente prega – No mesmo dia, o comandante-geral da PM, Anderson Moura, disse que não acreditava que PMs não fossem responsáveis pela morte do auxiliar porque, segundo ele, se um policial tivesse cometido o crime, o corpo teria sido ocultado, o que não ocorreu. “Ele foi encontrado, não estava enterrado no local, estava na flor da terra. Não é o comum. Se o policial mata alguém, o natural é que depois ele faça a ocultação do cadáver. Não teve isso”, disse.

Apesar de dizer que não acredita no envolvimento de integrantes da tropa na morte de Araújo, o comandante da PM afirmou que se ficar comprovado que houve crime com a participação de policiais, eles serão punidos. “Se for um policial militar, vamos tomar todas as providências necessárias porque tem que extirpar, não é valor nosso, não é o que a gente prega”, disse.

O comandante disse não achar estranho que Pereira tenha desaparecido após ser levado por policiais militares. “Não tem nenhum problema, é uma atividade normal. O estranho é saber qual a motivação. Isso acontece todo dia. Toda hora a PM conduz alguém que está perturbando a ordem pública para a delegacia.”

O governador Agnelo Queiroz afirmou que o caso será investigado "rigorosamente’, mas não quis comentar as declarações do comandante da PM e do secretário-adjunto. “Nós temos um profundo respeito pela nossa população e estamos investigando rigorosamente o episódio. Vamos dar uma resposta à população. Essa é a resposta oficial do governo, disse.

Zé ninguém – Nesta quinta (16), a vice-diretora de Direitos Humanos da OAB-DF, Indira Quaresma, criticou as declarações da cúpula de segurança do governo. “É um descaso com o mais pobre. Porque o Antônio era uma pessoa de poder aquisitivo menor, então é tratado como se fosse um zé? Ele usa essa expressão zé como se [Antônio Araújo] fosse um zé ninguém. Há um código? Há um jeito de matar sem deixar vestígios e ocultar sua participação?”

A investigação do caso corre em segredo de Justiça. A corregedoria da PM não dá detalhes da investigação, que só teve início três meses após o desaparecimento de Araújo, por pressão da família. O caso já mobilizou a Comissão de Direitos da Ordem dos Advogados do Brasil e da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.

O diretor-geral da Polícia Civil do DF, Jorge Xavier, afirmou que os policiais militares foram as últimas pessoas a ter contato com o auxiliar de serviços gerais.

Xavier afirmou que não vai haver corporativismo na investigação. “A gente precisa produzir prova robusta sobre o que aconteceu. A gente não é pago para castigar ninguém, é pago para apurar a verdade. É o que vamos fazer quando o laudo estiver pronto.”

Investigação – Até a confirmação da identidade dos restos mortais, o caso era investigado pela Divisão de Repressão a Sequestro (DRS) e era tratado como abandono do lar. No dia 2 de dezembro, após a confirmação de que a ossada pertencia a Araújo, a investigação passou a ser de responsabilidade da Coordenação de Crimes contra a Vida (Corvida). Desde então os restos mortais estão passando por perícia no Instituto Médico Legal (IML) para determinar a causa da morte.

Em agosto do ano passado, cerca de vinte familiares e amigos do auxiliar fizeram uma passeata entre a Granja do Torto e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Os participantes marcharam durante 13 quilômetros com faixas e cartazes, com o intuito de sensibilizar as autoridades para o caso.

A família sempre tentou provar que não havia ocorrido abandono do lar. “Toda vida nós da família falamos que ele estava morto porque sabíamos que ele não se afastaria de nós. Ele foi tratado como andarilho. Só porque era pobre? Todo pobre é andarilho?”, falou o irmão, Silvestre de Araújo.

Demora – A família registrou o desaparecimento do auxiliar de serviços gerais no dia 27 de maio. O inquérito na 31ª DP, que inicialmente cuidou do caso, só foi aberto no dia 16 de julho. A investigação foi para a Divisão de Repressão a Sequestro (DRS) no dia 5 de agosto.

Em 26 de agosto, mais de 90 dias depois do desaparecimento, a Polícia Militar também instaurou inquérito para investigar se os dois sargentos e quatro cabos envolvidos na abordagem a Araújo cometeram algum tipo crime. O caso foi remetido à Justiça no dia 25 de outubro, com pedido de retorno e sem conclusão.

Na Corvida desde dezembro, a investigação está sob segredo de Justiça. O diretor da Polícia Civil explicou que o sigilo foi solicitado pela juíza da Vara Criminal de Planaltina, antes de a ossada ser encontrada. Por causa da restrição, ainda não há informações sobre a análise do caso e os possíveis responsáveis pelo crime, se houver confirmação do homicídio.

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