Igualdade e Direitos Civis na Berlinda: União homoafetiva é o debate da hora no mundo

Publicado em: 29/03/2013

 Por Sandra Machado* – Estados Unidos, França, Nova Zelândia, Brasil… Em 2013, o mundo eurocêntrico e as periferias parecem querer sacudir a poeira, tirar o mofo das desigualdades históricas do armário, e dar a volta por cima. Não sem resistências. Não sem os fanáticos, intolerantes e ignorantes, a gritar e bater o pé. Os que tentam a todo custo jogar seus cadáveres para debaixo do tapete. Ou de volta ao armário.

 

Esta semana, a Suprema Corte dos Estados Unidos começou a analisar se estenderá o direito constitucional do casamento entre pessoas do mesmo sexo para todos os 50 Estados do país. Os nove juízes da instância máxima judiciária norte-americana julgam dois casos. Um é a validade da lei, aprovada há cinco anos, por meio de um referendo, que baniu o casamento LGBTT da Califórnia.

 

O outro caso é a lei assinada pelo então presidente democrata Bill Clinton. Pela lei, o governo federal norte-americano não reconhece a validade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, mesmo quando é realizado em um Estado onde a união homoafetiva é permitida.

 

Apesar de a decisão final da Suprema Corte estar prevista apenas para junho, há no ar uma inclinação dos juízes à recusa em estender os direitos de Igualdade civil para o casamento homoafetivo. Alguns deles murmuram que este não seria o melhor momento para tal decisão. Entretanto, há entre os membros da Corte os que confrontam o advogado Charles J. Cooper, representante de simpatizantes da Proposição 8, a do referendo californiano.

 

Os magistrados estão na fase de debates sobre os preceitos da Lei de Defesa do Casamento (Doma, em inglês), que define o matrimônio como uma união exclusivamente entre um homem e uma mulher. As estatísticas apontam para a existência de 120 mil casais de pessoas do mesmo sexo nos nove Estados norte-americanos que já legalizaram o casamento.

 

O mais importante disso tudo é que as manifestações populares em frente à Suprema Corte, em Washington D.C., concordam que sim, esta é a hora para a Igualdade no casamento. E, nos Estados Unidos, a opinião pública costuma ser ouvida. E considerada. Uma pesquisa do Instituto Pew, divulgada na semana passada, mostra que 49% dos norte-americanos acreditam que o casamento homoafetivo deve ser permitido. E 44% são contra.

 

Entretanto, nas pesquisas das grandes redes de TV, como a CNN e a ABC News, chegam a 59% de vantagem as respostas pela legalização da união homoafetiva, no país. Apenas a conservadora FOX News ficou nos 49%.

 

Também nesta semana, o parlamento da Nova Zelândia votou todas as alterações à Lei de Igualdade no Casamento, que a estende às pessoas do mesmo sexo. Foram 77 a favor e 44 votos contrários . Organizações LGBTT neo-zelandesas emitiram nota de satisfação: “Estamos muito contentes que não foram feitas alterações ao Projeto de Lei, nesta fase, e estamos olhando para frente, para outro voto ousado e corajoso, na terceira leitura, para finalmente fazer a igualdade da união uma realidade. Chegou a hora”.

 

No mês passado, o parlamento francês aprovou, em primeiro turno, o projeto de lei que possibilita o casamento, e também a adoção de crianças, por casais do mesmo sexo. Foram 329 votos a favor e 229 contra. O projeto de lei, a primeira grande reforma do presidente socialista François Hollande, ainda precisará ser analisado a partir de 2 de abril pelo Senado, onde a oposição conservadora pode barrá-lo.

 

Enquanto isso, o Brasil vacila entre laicamente avançar rumo às mudanças necessárias à harmonia social neste século XXI ou retroceder às cavernas e ao caos de inconstitucionais desigualdades sociais. Isso em muito do que foi conquistado em direitos humanos e civis, nas últimas décadas. Para as mulheres, os LGBTT, idosos, crianças e adolescentes, e para as diversas raças/etnias que compõem a nação brasileira. Enfim, as chamadas minorias.

 

É irascível a disparatada escolha, e provável permanência, do deputado-pastor Marco Feliciano (PSC-SP), como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, uma instância nevrálgica para o desenvolver e a legitimação de conquistas. Com suas já propaladas ideias e declarações sexistas, machistas, racistas e homofóbicas, Feliciano representa pelo menos três décadas de retrocesso nas lutas pela Igualdade de Direitos, humanos e civis.

 

Para todas, absolutamente todas, as minorias e também para a parcela da sociedade que se declara branca, masculina, heterossexual e das classes sociais A e B. Pois, quando uns ou outros são discriminados e alijados em seus direitos, toda a sociedade entra em desarmonia. Ou acirra ainda mais a que já tem.

 

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem decidido e, pelo tropeço no já devagar andar da carruagem, deverá continuar a bater o martelo sobre questões sociais inadiáveis. Que deveriam, antes de tudo, partir do Legislativo. Leis que urgem ser elaboradas, analisadas, votadas e aprovadas, ou não, pelo Congresso Nacional.

 

Como exemplos maiores, os recentes debates e decisões do STF que permitiram o aborto de fetos anencéfalos e a união de casais LGBTT, que em 2011 passou a ser reconhecida como entidade familiar. Com a decisão do Supremo, foram estendidos os mesmos direitos e deveres de casais heterossexuais às uniões entre pessoas do mesmo sexo. Antes da decisão, as uniões homoafetivas eram tratadas como sociedades.

 

À época, os ministros da Corte brasileira concordaram que, mesmo sem menção no texto constitucional sobre a união estável, os direitos civis de casais do mesmo sexo deveriam ser reconhecidos. O ministro Ayres Britto destacou que a Constituição Federal proíbe discriminação. Ou seja, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua orientação sexual, ou sexo, ou raça/etnia… “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, votou Ayres Britto.

 

INFELIZ ANO PARA A CDH – Agora, com Feliciano na CDH, não é sem motivos que diversas instituições e associações da sociedade civil, incluindo as organizações não governamentais nacionais e internacionais, estão a enviar protestos formais ao Poder Legislativo, desde o momento da infeliz indicação do PSC. E muitas organizam petições públicas, com milhares ou milhões de assinaturas, contra a permanência do deputado.

 

A Anistia Internacional emitiu nota oficial à imprensa, onde declara ser veemente favorável à substituição de Feliciano por outro nome que seja mais condizente com o histórico brasileiro de lutas pelos direitos humanos. Direitos à igualdade. “A escolha do deputado Marco Feliciano é inaceitável e preocupante”, afirma a nota. A AI solicita que os parlamentares brasileiros “reconheçam o grave equívoco”.

 

A exemplo de todas as entidades que se manifestaram ao longo deste mês, a Anistia Internacional destaca as posições claramente discriminatórias de Marco Feliciano em relação à população negra (e que, aliás, podem ser transpostas para qualquer outra raça ou etnia), os LGBTT e as mulheres. O pastor chegou a afirmar, com todas as letras, que elas não deveriam ter direitos iguais aos dos homens, seja na vida pública, no trabalho fora, seja no âmbito privado.

 

Seria uma piada de mau gosto, não fosse o risco que o país corre, agora, caso a CDH da Câmara retroceda a ponto de impedir mais avanços. Ou até mesmo passar a votar novos projetos que retirem das minorias os direitos, ou melhores horizontes, conquistados a duras penas, sangue e suor. Seria algo tão absurdo quanto suprimir conquistas como a Lei Maria da Penha ou o direito à união civil entre pessoas do mesmo sexo.

 

Os protestos contra Feliciano partem de todos os lados, na verdade. Dos meios artísticos, culturais, políticos, judiciais e da sociedade brasileira, via redes sociais, manifestações na Câmara, assinaturas em moções, pesquisas ou votos em enquetes da mídia.

 

Toda essa mobilização tem razão de ser. Principalmente, porque é na CDH que são inicialmente analisados e votados os projetos de lei e propostas que podem garantir mudanças. Aquelas que permitirão ao Brasil, enquanto nação, ser pleno em direitos. Em todos os níveis: social, econômico, judicial, moral e psicológico. ( Veja aqui artigo do Blog da Igualdade )

 

Perde a liberdade de ser e de funcionar socialmente, inclusive, a pessoa que supostamente pertence à “maioria”. Este conceito, per se, já é altamente questionável neste Brasil tão miscigenado (a exemplo do cabelo crespo-engomado do próprio pastor Feliciano); multifacetado social e culturalmente; tão afeito aos prazeres (e que se gaba muito disso mundo afora) e diverso, como não poderia deixar de ser, em sua orientação sexual.

 

Ontem, manifestantes novamente impediram os trabalhos da CDH, em protesto veemente contra a permanência do deputado Feliciano. Irredutível, ele reafirmou que só sairá da presidência da Comissão no último dia de seu mandato. E que essa é uma decisão irreversível!

 

Como poderemos estar em nossas casas ou andar nas ruas, nas escolas, nas universidades, nos escritórios, empresas ou indústrias, sem conviver com, ou esbarrar em, toda a nossa diversidade? Se há injustiça, desigualdade de direitos e deveres, e desarmonia social para uns, também haverá para outros. Ou seja, para toda a sociedade brasileira. Quanta infelicidade, Feliciano!

 

*Sandra Machado é jornalista e professora universitária. Doutora em História – com pesquisa em Estudos de Gênero, das Mulheres, Cinema e Multiculturalismo, pela Universidade de Brasília (UnB). É também Mestra em Cinema e Vídeo pela American University, Washington, D.C, EUA. Repórter e produtora para mídias audiovisuais e impressas – Correio Braziliense, Jornal do Brasil, TV Globo e o Caderno de Livros de O Globo. Sua tese de doutorado está em processo de edição em livro, intitulado Câmera Clara – Tela Obscura: Estereótipos Femininos e Questões de Gênero nos Cinemas. Editora Francis & Verbena.

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