Em tempos de ocupação por moradia popular, onde em uma ponta está o governo do Distrito Federal dizendo que não pretende intervir, pois se trata de área privada e alegando que há o programa Morar Bem para resolver o problema. Na outra o Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) cobrando a reforma urbana e acordos firmados e não cumpridos desde 2010 e correndo o risco de voltar para a rua, caso o GDF não intervenha. Cabe refletir um pouco mais sobre a questão, além de questionar os dados oficiais da Secretaria de Habitação.
Segundo o secretário de Habitação, Geraldo Magela, em avaliação do déficit habitacional no DF feita no ano passado, em 2011 o programa Morar Bem teve 330 mil famílias inscritas, mas estes números não reflete a verdade da demanda no entendimento dele, já que 40% dos inscritos é de jovens com menos de 30 anos e solteiros e não seria considerado um demandante para a política habitacional. “Nós trabalhamos, portanto, com um déficit habitacional real em torno de 160 mil famílias. São pessoas que estão dentro da nossa política habitacional e que têm renda familiar bruta mensal de até R$ 7,4 mil”, avaliou classificando habitação como “um grande marco dessa gestão”.
O movimento trabalha com os dados oficiais, que são o dobro do que Magela considera. Apenas num ponto ambos devem concordar: até bem pouco tempo, a política de habitação do DF era clientelista, de entrega e doação de lotes, sem critérios transparentes, na maioria os lotes doados não eram urbanizados, muito menos possuíam documentação. Mas o que prova que esta situação mudou realmente? Onde ficam os novos lotes que famílias de moradores de rua aguardam?
Jardins Mangueiral – O programa Morar Bem foi criado pela atual gestão para facilitar a oportunidade de adquirir casa própria. As unidades são apartamentos e casas financiados por meio do programa Minha Casa, Minha Vida em condições especiais. As unidades habitacionais terão infraestrutura completa: rua asfaltada, água encanada, luz e escritura no nome do beneficiado.
Em agosto do ano passado, a Agência Brasília noticiou que o sistema de habitação popular do DF era modelo para outros países e o condomínio Jardins Mangueiral recebeu a visita do ministro de Estado de Desenvolvimento e Construção da Etiópia, Hailemeskel Tafera. O condomínio foi a primeira Parceria Público Privada (PPP) habitacional no Brasil e isso parece ser motivo de orgulho para o GDF, mas na prática, algumas famílias de sem-teto que foram agraciadas com unidades devolveram e voltaram a morar na rua, por não ter como pagar, segundo informações do MTST.
Desapropriação – Enquanto o GDF não admite a realidade do déficit habitacional e fica no jogo de empurra entre as assessorias de imprensa das secretarias, quando jornalistas tentam saber sobre possibilidades de desapropriação ou o que poderia ser feito na questão concreta de Novo Pinheirinho, vemos uma política de não discutir possibilidades de desapropriar terrenos privados, além da venda de terrenos da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) e privatizando o planejamento da cidade, que pelos próximos 50 anos estará nas mãos da Jurong Consultantes, de Cingapura.
Recentemente a Secretaria de Habitação do GDF ordenou o despejo de uma das unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); a Embrapa Cerrados, que funcionava num terreno em Planaltina há 37 anos. A pergunta é: pra que? Magela alegou que precisa construir 100 mil moradias populares até 2014 e que a área ocupada pela Embrapa é indispensável para abrigar, pelo menos, cinco mil unidades.
A Sedhab afirma que o terreno está em “área urbana”, onde existe um entroncamento rodoviário propício à implantação de “conglomerados urbanos”, o que reduziria o valor dos investimentos em rodovias, redes elétricas e saneamento básico. Segundo reportagem do Estadão, em 2008, o GDF tentou desalojar a Embrapa e na época, o terreno seria revertido para a “construção de um polo de venda de máquinas agrícolas”.
Acordos – A julgar pelo não cumprimento dos quatro acordos firmados com o MTST desde 2010, dá para considerar a possibilidade de que o GDF irá garantir em sua política habitacional pelo menos as 600 unidades de habitação popular, possíveis e pleiteadas no terreno abandonado de Abdalla Jarjour em Taguatinga? Vele lembrar que, para a saída do Novo Pinheirinho do terreno da Terracap em Ceilândia no ano passado, foram firmados três compromissos: auxilio emergencial de três meses; envio do Projeto de Lei do auxilio aluguel, como forma de continuidade do auxilio emergencial e cadastro da entidade. Apenas o auxílio emergencial foi cumprido e após os três meses, famílias foram despejadas por não ter como pagar.
O cadastro da entidade, aliás, é essencial para que as famílias do MTST sejam atendidas em conjunto, deixando de competir com as 300 mil cadastradas, ao se enquadrar no aspecto da lei que exige 20% das moradias para cooperativas e entidades. O MTST cumpriu com prazos e documentos e tem tudo registrado, conforme nossa reportagem teve acesso. O GDF alegou em nota que o movimento não entregou os documentos, o que é mentira conforme Câmara em Pauta pode comprovar.
Nota da redação – Vale lembrar que o déficit habitacional é causado pela falta de políticas públicas e por transformações sociais, como o êxodo rural e a mudança do perfil das famílias, portanto prescindem de políticas de assistência social. Em maio do ano passado, o GDF apresentou o Diagnóstico Preliminar do Plano Distrital de Habitação de Interesse Social (Plandhis), cujo objetivo é “planejar a política habitacional do DF com estratégias para reduzir, de forma ambientalmente sustentável, o déficit de aproximadamente 330 mil moradias. As ações serão focadas em três eixos: fornecimento, regularização e melhorias habitacionais”.
No papel fica bonito, mas vale ressaltar que é preciso partir para a prática e que as famílias de Novo Pinheirinho deveriam ter alguma prioridade no recebimento das unidades. Outro detalhe é que essa política habitacional desenvolvida, como o caso do Jardins Mangueiral, cabe no bolso da classe média e tem contornos de crédito habitacional, seguindo a mesma lógica do mercado imobiliário, o que deixa essas famílias à margem dessa política.