Por Rita Colaço – A Constituição de 1988 afirma categoricamente que é proibida qualquer manifestação de discriminação, seja por qual motivo for.
Para que esta determinação possa ser cumprida, é necessário que o Congresso Nacional promulgue uma Lei Complementar regulamentando esta proibição, de modo a torná-la exequível.
Isso foi feito apenas parcialmente. A lei antirracismo em vigor em certa medida regulamenta este dispositivo da Constituição. Ela contempla as manifestações discriminatórias decorrentes da cor da pele, etnia, origem nacional ou religião.
Entretanto, é necessário que haja um dispositivo que vede toda e qualquer forma de manifestação discriminatória, seja por qual motivo for, de modo a que a Constituição da República seja respeitada, observada. Daí a nossa luta pela aprovação do PLC 122, com a redação do substitutivo construído pela Senadora Fátima Cleide.
O substitutivo apresentado pela Senadora Fátima Cleide abarca, além das já vigentes, as discriminações em decorrência da orientação sexual e da identidade de gênero e as discriminações por condição de pessoa idosa ou com deficiência, o que contemplará as discriminações em razão da idade da pessoa ou do fato de ser portadora de alguma deficiência física ou mental. Veja maiores detalhes desse substitutivo na página oficial do PLC 122.
O Ministro do STF, Carlos Ayres Britto, já se declarou publicamente favorável à criminalização da homofobia. Na sua opinião, trata-se de uma "prática que chafurda no lamaçal do ódio" (entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 04/07/2011).
A ONU, através de sua Alta Comissária para os Direitos Humanos, Navi Pillay, já fez um alerta (17/05/2011) para o aumento dos crimes contra lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, e pediu aos governos que tomem medidas para acabar com a discriminação e com o preconceito baseado na orientação sexual ou na identidade de gênero.
Por meio de uma mensagem de vídeo, elaborada para marcar o Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia (17 de maio), Pillay disse que estas formas de discriminação são muitas vezes negligenciadas pelos governos. Ela afirmou que estatísticas indicam que crimes contra homossexuais aumentaram em diversas partes do mundo, e que a homossexualidade continua sendo um crime em mais de 70 países. “Ninguém tem o direito de tratar um grupo de pessoas como sendo de menor valor, menos merecedores ou menos dignos de respeito”, declarou. Ela acrescentou que os padrões dos direitos humanos internacionais já incorporaram o princípio de que ninguém deve sofrer discriminação com base em sua sexualidade ou identidade de gênero. “Dezessete anos atrás, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas confirmou que, nos termos do direito internacional, os Estados têm a obrigação de descriminalizar a homossexualidade e proteger seus indivíduos contra a discriminação com base na sua orientação sexual.”
Entretanto, no Brasil, uma minoria obscurantista e fundamentalista de parlamentares tem conseguido impedir a plena vigência da Constituição da República, no que concerne à garantia da efetiva proteção contra discriminação em face da orientação sexual e da identidade de gênero.
Ou seja, em bom português, o Congresso Nacional encontra-se dominado por essa minoria que quer a todo custo impor à sociedade brasileira a sua concepção de mundo na contramão dos Direitos Humanos e do futuro do Brasil.
Enquanto a maioria dos congressistas se deixam controlar por esse bloco fundamentalista, milhares de travestis, gays, lésbicas e transexuais são espancados, humilhados, ridicularizados, assassinados impunemente. Enquanto LGBTTs seguem sendo agredidos, trucidados, esses parlamentares dão seguimento às suas vidinhas, desfrutando do bem bom proporcionado pelos estipêndios mensais que recebem, formado também pelo fruto do trabalho desses travestis, gays, lésbicas, transexuais, bissexuais.
Eu, de meu canto, sigo defendendo o recurso da Denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (como fez Maria da Penha e os familiares dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, para conseguir estancar a omissão do Estado brasileiro) e o recurso do Mandado de Injunção, para compelir o Congresso Nacional a cumprir sua função constitucional e regulamentar a Constituição, em nosso caso no que concerne às manifestações de discriminação contra LGBTs.
No que diz respeito ao emprego do Mandado de Injunção, fiz contato com um jovem constitucionalista. Ele partilha a mesma opinião. Entretanto, tal como a ADI, é necessário que alguma entidade coletiva assuma a iniciativa de ajuizar a ação: OAB, ABGLT, alguma federação ou partido político.
Enquanto ninguém se move, seguimos contabilizando os assassinatos, suicídios e espancamentos. É preciso lembrar, porém, que omissão também é crime!
Rita Colaço é Historiadora. Texto originalmente publicado no blog Comer de Matula.