Do Correio – Inspeção da Secretaria de Transparência sobre contratos firmados pela Administração de Samambaia entre 2008 e 2009 constatou a existência de uma série de irregularidades no processo de seleção de fornecedores e na execução de serviços para essa repartição pública. Entre as empresas investigadas está a Entec Engenharia e Consultoria LTDA., em nome de Marconi Faleiro, irmão de Fabrício Faleiro, que é marido da deputada Celina Leão (PMN). Na época, a distrital era chefe de gabinete de Jaqueline Roriz (PMN), que mantinha forte influência política sobre a região administrativa de Samambaia.
Reportagem do Correio publicada em março último revelou que Fabrício Faleiro foi quem atestou a execução das obras realizadas pela Entec. A empresa faturou R$ 675 mil em função da parceria com o governo. O serviço, no entanto, foi contestado pelo Tribunal de Contas do DF (TCDF), que, em auditoria sobre os processos de Samambaia, encontrou uma série de contratos considerados fraudulentos, entre os quais os assinados pela firma do cunhado de Celina com a Administração de Samambaia. A ação do TCDF apontou evidências demonstrando que 44 empresas — entre elas, a Entec — combinavam o resultado das propostas de licitação por carta-convite.
O episódio envolvendo os negócios de familiares de Celina com a Administração de Samambaia tornou a deputada alvo de uma representação na Câmara Legislativa. O pedido de investigação, no entanto, foi arquivado em 13 de abril sob o argumento dos colegas distritais de que não havia investigação formal contra a deputada sobre o assunto. No mesmo período, foi iniciada a inspeção número 20 da Secretaria de Transparência para analisar os contratos de Samambaia. A apuração ocorreu entre 8 e 15 de abril. A partir da investigação, os auditores produziram um relatório de 28 páginas, ao qual o Correio teve acesso. O documento enumera 20 irregularidades nos contratos firmados entre a Administração de Samambaia e a Entec.
A Secretaria de Transparência constatou problemas que se estenderam do projeto básico à entrega dos serviços. Na análise dos processos que tratam da construção de paradas de ônibus, além da limpeza e desobstrução de bocas de lobo em vários trechos de Samambaia, os auditores sustentam que não foi possível identificar com exatidão em quais locais deveriam ser feitas tais intervenções. “Não há indicação de planta ou croquis dos trechos, apenas descrições genéricas, impossibilitando a correta caracterização dos serviços e criteriosa composição dos custos e orçamentos.” Além disso, destacam os investigadores, “não há nenhuma comprovação de que os executores dos contratos compraram os materiais usados nos serviços” supostamente prestados à administração.
Incoerência
O documento da Secretaria de Transparência também informa que os auditores encontraram planilhas referentes aos contratos entre a Administração de Samambaia e a Entec com preços diferentes para o mesmo serviço. Em outubro de 2008, o contrato previa a compra de placa de obra de 96 m² por R$ 900. Um mês depois, o valor da placa de 95m² saltou para R$ 1.750 (veja fac-símile). Uma variação de quase 70% também foi observada no aluguel de contêiner-vestiário, em 2008, e de 40% no caso do contrato referente a 2009. “Além da não padronização dos custos, nota-se que, nos processos analisados, não foram anexadas pesquisas de preços de mercado e, nem tampouco, consta qualquer justificativa sobre a fonte de onde os valores foram extraídos e o porquê das diferenças de preço”, destaca o documento.
A inspeção oficial também encontrou problemas na montagem da comissão de licitação que atuou na fiscalização dos contratos entre a Entec e a Administração de Samambaia. De acordo com a Lei de Licitações (nº 8.666), as propostas devem ser acompanhadas e julgadas por grupo formado com o mínimo de três funcionários, sendo dois deles do quadro de concursados. Embora a repartição tivesse 36 servidores efetivos em 2008 e 42, em 2009, o mínimo exigido pela lei não foi cumprido.
Assim como o TCDF, os auditores vinculados à Secretaria de Transparência descobriram indícios de conluio na escolha das empresas contratadas pela Administração de Samambaia. As planilhas supostamente apresentadas por empresas concorrentes continham preços bastante parecidos, o que seria uma evidência de combinação de valores.
A inspeção na Administração de Samambaia vai gerar uma sindicância que pode evoluir para Tomada de Contas Especial (quando a administração tenta reaver o dinheiro aplicado em contratos fraudulentos). O relatório foi encaminhado ao Ministério Público do Distrito Federal.
Serviços previstos
As parcerias entre a Administração de Samambaia e a Entec previam a construção de praças, paradas de ônibus, recuperação de calçadas, além da limpeza de bocas de lobo em várias quadras da cidade.
Teto menor
Os contratos assinados pela Entec com a Administração de Samambaia foram por meio de carta-convite, em que o teto é de R$ 150 mil. A modalidade é vista com desconfiança pelo Ministério Público porque, apesar de previsto em lei, o método é, muitas vezes, usado como brecha para fraude.
Deputada nega influência
A deputada distrital Celina Leão (PMN) atribui o relatório produzido pela Secretaria de Transparência a uma perseguição de fundo político. Ex-chefe de gabinete de Jaqueline Roriz na época em que a deputada mantinha influência sobre a Administração de Samambaia, Celina sustenta que não teve nenhum tipo de ingerência nas decisões tomadas tanto pela repartição quanto pela Entec. “Nunca fui administradora, chefe de gabinete de administração, nem sou proprietária de empresa. Portanto, não tenho nada a ver com essa história”, disse Celina, que atuou por dois anos na função de chefe de gabinete de Jaqueline.
Para a distrital, a Secretaria de Transparência tem feito um recorte na sua área de atuação com o objetivo de prejudicá-la. “A gente vive uma fase política muito acirrada. O que estão tentando fazer é um jogo político. Tentam achar agulha no palheiro para me prejudicar, quando na verdade deveriam era investigar os contratos sem licitação da Secretaria de Saúde, da compra de pardais. Eles apuram onde acham que dá para fazer perseguição política”, considera.
O secretário de Transparência, Carlos Higino, rebateu a acusação de motivação política: “Temos carta branca do governador para investigar atos suspeitos do nosso governo ou de governos passados. E é o que estamos fazendo. Nesse caso, há dados objetivos e irrefutáveis demonstrando que houve fraude”.