CÉSAR FONSECA – Entrou na ordem do dia, com tensões crescentes na equipe econômica, nova queda de braços entre Lula e o presidente do Banco Central Independente (BCI), o ultra neoliberal Roberto Campos Neto.
Neto quer transformar o BCI em empresa pública com autonomia sobre suas ações que visam sobrevivência por meio de cobrança de senhoriagem por todos os serviços que presta ao mobilizar recursos financeiros da nação.
As comissões pagas por essa senhoriagem, que, historicamente, no capitalismo, marca relação de subordinação entre primeiro mundo e terceiro, entre capitalismo central e periférico, por meio de deterioração nos termos de trocas cambiais, seriam mais do que suficientes para garantir ao BCI a autonomia total que defende para si, ao largo do controle do Estado, como ocorre, atualmente, na sua condição de autarquia.
Na prática, o BCI tenta fugir da situação de dependência do Estado nacional, para tocar política monetária, que envolve todos os interesses da sociedade, a fim de dispor de liberdade completa, como se fosse instituição financeira, com direito de gerar seu negócio e sua atividade institucional sem dar satisfação aos poderes públicos republicanos sob os quais é fiscalizada.
PODER DE ESTADO
Sendo o gestor da moeda, o BCIA – Banco Central Independente e Autônomo – julga-se no direito de dizer como utilizá-la em termos de gerenciamento de toda a macroeconomia, em termos fiscais e monetários, de forma independente e autônoma, como se fosse o próprio Estado.
Haveria, dessa forma, dois Brasis: um, comandado pela institucionalidade republicana, obediente à Constituição; outro, a autonomia do BCI como entidade autônoma que faz com o dinheiro que controla, como instituição federal, o que bem lhe aprouver, sem interferência dos poderes, sendo responsável pela sua sobrevivência financeira e econômica.
Deixa, na prática, de existir, o Conselho Monetário Nacional – CMN – que coordena a política econômica, fiscal e monetária, ao qual o BCI obedece alinhando-se a ele suas diretrizes, combinadas com os ministérios do Planejamento e da Fazenda.
Em outras palavras, o BCI se transforma, no controle dos valores que manipula, cobrando sobre eles senhoriagem pelo serviço prestado, um poder que atua no exterior da realidade concreta determinando seus passos, ao largo das orientações emanadas pela Constituição.
Transforma-se em instituição inconstitucional.
FINANCEIRIZAÇÃO TOTAL
Na tarefa de exercitar uma autonomia independente do Estado, o BCI vira o instrumento direto do mercado financeiro, obediente aos pressupostos da Faria Lima, para traçar sua política a ser colocada em prática pelo Ministério da Fazenda na condição de subordinado à financeirização econômica que, essencialmente, comanda a “autonomia” reclamada pelo BCI.
Se o BCI autônomo passa a dar as cartas ao Ministério da Fazenda, para executar suas determinações, combinadas com os bancos, com a Febraban, com a congregação dos Bancos Centrais, que atuam ao largo dos governos, no cenário da financeirização, ultrapassa o poder do próprio presidente da República, ao qual a Fazenda institucionalmente obedece, bem como outras entidades institucionais como a AGU e PGR etc.
Estaria institucionalizado e legalizado no Brasil o paraíso dos rentistas.
O presidente Lula, no comando do presidencialismo de coalizão, vira figura decorativa.
Aprofunda-se a desintegração financeira estatal, com dualidade de comando, deteriorando o que já está em curso desde início de 2023: o avanço do mercado financeiro sobre o modelo parlamentarista obediente ao Banco Central Independente, na tarefa de esvaziar o modelo político constitucional ancorado no presidencialismo de coalizão.
Trata-se, na prática, com essa alteração institucional na qual se engaja o presidente do BCI, Roberto Campos Neto, confrontando-se com o presidente da República, de estender, sem limites, a financeirização geral do Estado, para desenhar o que a Faria Lima mais deseja no momento: a reforma administrativa.
LIQUIFICAÇÃO ESTATAL
Por meio dela, os financistas almejam o mesmo que o presidente ultra neoliberal Javier Milei tenta fazer na Argentina: liquidificar – eles lá chamam de “licuar” – o Estado.
Trata-se de desmontá-lo, em nome do ajuste fiscal e monetário neoliberal, para combater déficit público, como a alternativa radical para reduzir juros e inflação, como pressuposto para manter o que denomina de equilíbrio macroeconômico na relação dinâmica entre dívida/PIB.
É a escola econômica austríaca ultra neoliberal que Milei tenta impor aos argentinos levantando da ira popular.
Os bancos públicos, frente ao Banco Central Independente Autônomo (BCIA), que comanda política fiscal e monetária, são, como a administração estatal em geral, desmontados.
Banco do Brasil, BNDES e bancos de investimentos públicos etc. são esvaziados diante do BCI autônomo que passa a decidir qual volume de recursos destinar a eles à luz da sua orientação ultraneoliberal independente em sintonia com a Faria Lima.