No centro do poder, feira de produtos roubados opera livremente

Publicado em: 28/05/2013

Por Wilson Lima – Imagine a seguinte situação: em um mesmo lugar, é possível encontrar aparelhos celulares, instrumentos musicais, eletroeletrônicos, peças de cozinha, roupas e até itens para banheiro. Tudo por preços extremamente baixos, com descontos que chegam a até 80% em comparação àquilo que se encontra normalmente em lojas especializadas. Tudo parece perfeito, se não fosse por um detalhe: vários destes produtos são itens furtados ou roubados na capital federal, Brasília e nas cidades satélites do Distrito Federal (DF). Outro detalhe: tudo isso é vendido a poucas dezenas de quilômetros do centro de poder do País e a menos de 150 metros de uma delegacia de polícia. 

A chamada “Feira do Rolo”, conhecida também como “Robauto”, é realizada em Ceilândia, cidade-satélite distante 26 quilômetros de Brasília. Todo domingo pela manhã, assaltantes do Distrito Federal se infiltram entre pessoas comuns, que simplesmente querem se livrar de produtos usados que têm em casa. Quem tem em mãos um produto furtado, consegue passá-lo adiante livremente. O mais curioso é que essa feira, que funciona sem autorização do Governo do Distrito Federal (GDF), é realizada todo o domingo, nas Quadras Norte O (QNO) 11 e 13 de Ceilândia.

 

A própria Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Distrito Federal conhece o local, admite os problemas, sabe que existe venda de produtos roubados no local, mas alega que não realiza ações de combate à marginalidade semanalmente para não criar uma situação “traumática” para a região. Conforme a secretaria, é justamente a mistura entre pessoas comuns e bandidos que dificulta o trabalho dos policiais.

 

Procedência – Nenhum produto vendido por lá tem nota fiscal e são poucos os vendedores que conseguem explicar de onde vem o produto usado que oferecem. Segundo informações de moradores da Ceilândia, é justamente aí que o consumidor comum tem como saber se o produto é furtado ou não. No domingo dia 19 de maio, vários vendedores abordaram a reportagem do iG oferecendo produtos provavelmente furtados. Nenhum deles soube explicar a origem dos itens. Um deles irritou-se ao ser questionado sobre isso.

 

Uma guitarra Condor, por exemplo, cujo preço de mercado chega a aproximadamente R$ 1.000, foi oferecida por apenas R$ 200. O instrumento musical estava desafinado. O vendedor afirmou ser proprietário da guitarra e disse tocar o instrumento há aproximadamente um ano. Mas ele se negou a afinar o instrumento na frente da reportagem e falou apenas “aperta aí os botões que a guitarra afina”, disse, referindo-se às tarraxas de afinação do instrumento.

 

Em outro momento, um vendedor tentou repassar um aparelho de DVD que na loja custa aproximadamente R$ 150,00 por apenas R$ 50. O produto tinha um adesivo com o nome de uma pessoa chamada Cláudia. O vendedor, no entanto, irritou-se ao ser questionado da procedência do produto. “Você é da polícia?”, disse.

 

Em pouco menos de uma hora transitando pela “Feira do Rolo”, a reportagem do iG recebeu ofertas de aparelhos de videogame, aparelhos celulares, tablets, notebooks, relógios de marcas famosas e até bicicletas. No caso das bicicletas, houve peças com valor de mercado na casa dos R$ 500, que eram oferecidas por R$ 100. Além desses produtos, também é fácil encontrar itens pirateados, como DVDs, por exemplo.

 

Negociação – As negociações entre vendedores e consumidores ocorrem livremente e as abordagens são rápidas e diretas. Muitos daqueles que tentam repassar produtos furtados ficam no local por pouco tempo, com medo de uma eventual abordagem policial. Algumas pessoas que estão semanalmente no local confirmam. “O nosso problema aqui é que tem muito bandido infiltrado. Isso não colabora com quem trabalha honestamente”, admitiu uma vendedora, que não quis se identificar.

 

“O fato é que muitos assaltam e repassam o produto ali mesmo. Isso é conhecido de todo mundo de Ceilândia”, contou uma moradora que também não quis se identificar, com medo de retaliações. Uma viatura da Polícia Militar chegou a passar pelo local, mas não houve abordagens nesse dia. A feira funciona dentro do “Setor O” da cidade-satélite, ao lado de uma feira tradicional da região. Esse mercado tradicional, inclusive, ficou conhecido há menos dez anos por ser um dos principais pontos de prostituição na área.

 

A reportagem do iG entrou em contato com a Secretaria de Segurança do Distrito Federal e o órgão informou que existem operações periódicas na região. No entanto, moradores da área contam que nenhuma ação de combate à feira foi realizada nos últimos três meses. A Polícia Militar também foi procurada, mas não retornou. De acordo com o art. 180 do Código Penal, “adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio” produtos furtados é crime passível de prisão de um a quatro anos mais multa.

 

Operações – A administração da cidade satélite de Ceilândia, distante 26 quilômetros de Brasilia, admite que nos últimos dois anos foram realizadas pelo menos 20 operações, todas sem sucesso, para tentar acabar com o comércio ilegal de itens furtados na chamada Feira do Rolo. Segundo a administração do governo do Distrito Federal, houve ocasiões em que a Polícia Militar flagrou a comercialização de drogas na Feira do Rolo.

 

Conforme informações do administrador de Ceilândia, Ari de Almeida, é necessária uma ação conjunta entre algumas secretarias do governo, como a Secretaria da Ordem Pública e Social (Seops), a Agência de Fiscalização (Agefis), além da Polícia Militar e Polícia Civil para acabar, definitivamente, com a Feira do Rolo. “Após cada operação, as pessoas voltam. É muito complicado. Você precisa colocar um policial e agentes de plantão lá depois das operações”, disse Almeida, por meio de sua assessoria de imprensa.

 

Na semana passada, começou a ser articulada uma nova operação de combate ao comércio na Feira do Rolo. Mas não existe uma data específica para que essa operação aconteça. A administração de Ceilândia acredita que essa será a última operação contra a Feira.

 

Em apenas uma destas 20 operações (considerada uma das maiores) contra o comércio ilegal, realizada em janeiro do ano passado, 115 pessoas foram conduzidas à delegacia para explicar a origem dos produtos sem nota fiscal. Destas, 15 foram detidas pelo furto de 51 aparelhos celulares.

 

Feira do Rolo – Essa Feira do Rolo é realizada há aproximadamente 20 anos e é conhecida das autoridades locais. Hoje, ela funciona a 150 metros de uma delegacia. A Secretaria de Segurança informou que qualquer ação mais incisiva seria extremamente traumática justamente pelo fato de que existem pessoas trabalhando normalmente como ambulantes no local. A feira acontece todo o domingo, nas Quadras Norte O (QNO) 11 e 13 de Ceilândia.

 

Hoje, a Feira do Rolo de Ceilândia já inspirou dois movimentos de venda e troca por meio do Facebook. Um deles tem 2,5 mil membros e o outro, mais 1,4 mil membros. Nas feiras do rolo virtual, ao contrário do que ocorre nas presenciais, os administradores das comunidades deixam claro que é proibida a venda de produtos furtados, drogas ou armas. “O objetivo desse grupo é ajudá-lo a se desfazer daquilo que você não mais utiliza trocando por alguma coisa útil”, descrevem os organizadores de um destes grupos pela internet.

 

Do IG Brasília.

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