Uma reportagem do Alô Brasília coloca em xeque os vestibulares em instituições particulares de ensino. O repórter Renato Souza fez a prova de seleção e, ao passar na seleção, mesmo errando propositadamente na prova e na redação, abre uma importante discussão: qual o limite entre educação e negócio nas instituições particulares de ensino?
Confira na íntegra a reportagem de Renato Souza.
Quem não passa?
Em busca de clientes, instituições privadas do DF precarizam os vestibulares
Por Renato Souza para o Alô Brasília – Está cada vez mais fácil ter acesso ao ensino superior, principalmente nas instituições de ensino particular. Em busca de clientes, algumas faculdades precarizam o acesso aos cursos. Pelo menos, é isso que afirmam muitos estudantes do Distrito Federal. Na maioria dos casos, as provas do vestibular das faculdades apresentam poucas questões e exigem uma baixa qualidade de texto e domínio da língua portuguesa para aprovar o candidato. Resultado? Virou tarefa mais difícil reprovar em um vestibular que ser aprovado.
Parte das instituições privadas possuem dois tipos de seleção: o vestibular tradicional e a prova agendada. O tradicional acontece apenas uma vez a cada semestre, e costuma oferecer uma porcentagem de bolsas de estudo. Já a segunda opção de seleção pode ser agendada pelo candidato em um período determinado que se inicia meses antes do início de semestre.
Pedro Henrique, 20 anos, é estudante de enfermagem em uma faculdade no Plano Piloto, e afirma que a facilidade do vestibular e o ingresso no ensino superior pode gerar profissionais superficiais. “Eu achei a prova muito fácil, pensei que seria mais difícil. Na minha sala, vejo que tem muitos estudantes que estão ali apenas para garantir diploma para fazer concurso público. Mas enfermagem mexe com vidas”.
O problema que prejudica o modo de seleção dos candidatos nas instituições particulares de ensino começa a ser identificado também no decorrer do curso. Muitos acabam desistindo no meio do caminho, por não conseguirem levar a diante. Dados do Ministério da Educação apontam que entre 2008 e 2009, 896.455 estudantes abandonaram a universidade – o que representa uma média de 20,9% do universo de alunos.
O estudante Marcos Faria, 20 anos, é estudante de filosofia da Universidade de Brasília (UnB), e afirma que já não é tarefa difícil ingressar em alguns cursos até mesmo na instituição. “Os novos campus da UnB em algumas regiões administrativas do DF oferecem uma vantagem na nota de quem faz o vestibular para estudar no campus da cidade onde mora. Isso torna o vestibular bem mais fácil. Eu já estudei no campus da UnB em Planaltina e percebi que muitos estudantes fazem a prova de lá porque têm medo de não passar na seleção para cursos do campus Darcy Ribeiro. Mesmo os que não gostam do cursos que são oferecidos no campus que fica perto de casa preferem estudar no local, apenas para entrar na faculdade”, afirma.
Alô Brasília faz o teste – A reportagem fez a prova de uma universidade particular na Asa Sul de Brasília. A seleção seria para o ingresso no curso de enfermagem. A instituição é considerada a maior do Brasil e possui cerca de 190 mil alunos em quase todos os estados do país. A prova foi realizada por computador no laboratório da instituição e monitorada por um funcionário da empresa. O teste era composto por 25 questões e uma redação que foi realizada de forma manuscrita (sem auxilio do computador).
O repórter do Alô Brasília errou propositalmente a maioria das questões da avaliação. As perguntas eram de língua portuguesa, história e geografia. Na redação, o limite máximo era de 20 linhas. A prova não estabelecia um limite mínimo de linhas escritas para a aprovação do candidato.
A reportagem deixou de respeitar quesitos básicos usados para avaliar os estudantes que realizam o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O texto da prova de redação da instituição particular deveria ser escrito na forma de uma carta. O repórter escreveu frases sem nexo, apresentando, propositalmente, erros de coerência textual. O texto não apresentou domínio da norma culta de língua portuguesa e várias gírias foram escritas no discorrer da carta. Uma das frases misturava inglês, português e gírias usadas no cotidiano. “Tu não pode fazer isso, nois é brother há muito tempo”, dizia a frase escrita pela reportagem.
Cerca de 48 horas após a realização do vestibular, o resultado divulgado pela instituição dava o repórter como aprovado e preparado para o ingresso no curso de enfermagem da instituição.
Enade – O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) é aplicado aos estudantes que já completaram mais da metade dos curso superior. A prova é aplicada em todo o Brasil a cada dois anos. O exame tem a finalidade de medir a qualidade dos cursos e o desempenho dos universitários. Apesar da prova ser obrigatória, os alunos podem deixar o local de prova após 15 minutos do início do exame.
No fim de novembro, 469.478 mil de estudantes realizaram a prova do Enade para avaliar os cursos da rede pública e particular. Estavam inscritos no exame 587.351 estudantes, ou seja 118.056 universitários faltaram a prova em todo o País.
Resposta do MEC – A assessoria de imprensa do Ministério da Educação (MEC) informou que não existe nenhum órgão responsável por monitorar os critérios de seleção usados pelas instituições de ensino superior privado no Brasil. O MEC afirma ainda que o ministério é responsável apenas pela seleção nas universidades públicas que adotam o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como critério de seleção no vestibular. A assessoria informou que a possibilidade de um estudante denunciar a precarização do vestibular é uma situação muito “hipotética”, e o Ministério da Educação não trabalha com este critério.