A partida recente do historiador marxista, Eric Hobsbawm, um dos mais influentes pesquisadores da história dos séculos XIX e XX, causou a todos nós que convivemos com ele por meio dos seus livros, um desconcertante e profundo pesar. Perdemos um dos cérebros mais brilhantes que a humanidade já teve. O mundo ficou mais pobre de lucidez, de inteligência, de conhecimento e de argumentações sólidas, no entanto, nunca sectárias. Com sua formação intelectual acurada e seu vasto conhecimento sobre inúmeros assuntos, tinha, ainda, muito a nos dizer do alto dos seus 95anos.
Eric Hobsbawm nasceu em Alexandria- Egito. Seus pais eram de ascendência judia e por isso, quando já moravam em Berlim, em 1933, com a subida de Hitler ao poder, tiveram de deixar cidade e fixaram residência em Londres. Formou-se em História, foi professor universitário e tornou-se membro da Academia Britânica, em 1978, e depois da Academia Americana de Artes e Ciências.
Sua morte provoca em nós uma enorme sensação de vazio, porque o que ele nos transmitiu por meio de suas obras, formou gerações de pensadores e militantes de esquerda, estimulou inúmeros debates, reflexões e encontros. Além da simplicidade, clareza e erudição, suas ideias tinham juventude, força e clareza de argumentação. Dialogou por meio dos seus livros com uma multidão de pessoas de diferentes idades, regiões e ideologias, e de forma especial nos últimos anos com a América Latina, região que despertava nele crescente interesse e certo alento com a perspectiva de surgimento de algo novo no campo da política.
Mesmo sendo um defensor intransigente do marxismo, admitiu seus erros, como, por exemplo, as ideias que alimentaram o comunismo dos países do Leste Europeu. Criticou o stalinismo, que segundo ele, contribuiu de forma decisiva para a queda dos regimes comunistas. Por sua integridade, transparência e compromisso com a verdade, muitos teóricos e estudiosos, mesmo aqueles que não concordavam com a defesa que fazia do marxismo, sempre tiveram por ele grande respeito e admiração, admitindo a influência que dele receberam em muitos momentos.
Como historiador, Hobsbawm fez uma análise profunda e lúcida dos períodos históricos que tiveram início com a Revolução Francesa. Esse trabalho rigoroso de pesquisa ofereceu ao mundo na década de oitenta obras volumosas que se tornaram referência para qualquer pessoa que quisesse entender melhor a geopolítica do mundo e conhecer mais profundamente as revoluções vividas pelas sociedades humanas. Seus livros: A Era das Revoluções, A Era do Capital, A Era dos Impérios, A Era dos Extremos, a História do Marxismo, sua autobiografia: Tempos Interessantes: Uma Vida no Século XX e seu último livro publicado: Como mudar o mundo, são exemplos de imparcialidade e de capacidade de síntese na apreensão e análise dos fatos históricos, tanto os que se referiam aos países comunistas quanto aos dos países capitalistas.
Em suas obras o autor discorre sobre a história da humanidade a partir da revolução francesa até nossos dias, de forma lúcida, crítica e inteligente, estabelecendo associações complexas entre épocas e países. Da narrativa dos fatos revolucionários no transcorrer dos séculos, depreende-se a dinâmica de longo prazo das forças produtivas" e da luta de classes inauguradas com a chegada da burguesia ao poder; marcas e heranças, que hoje podem ser observadas, como ele nos afirma, na "irresistível" dinâmica global do desenvolvimento econômico capitalista e de sua capacidade destrutiva, mesmo daqueles elementos dos quais o capitalismo se beneficiou no passado, como, por exemplo, a estrutura familiar.
Em seu livro intitulado "Como mudar o mundo", publicado em 2011, Hobsbawm traça a história das ideias marxistas com argúcia, clareza e erudição. Fala das vicissitudes pelas quais tem passado ao longo dos anos o pensamento de Marx. Recupera as principais ideias marxistas e faz a defesa irrefutável de sua preservação. Sempre com espírito imparcial que o acompanhou em seu trabalho, reconhece que algumas ideias já se tornaram ultrapassadas, admitindo ainda alguns equívocos desse pensamento. Mas, sobretudo discute com seus leitores "as ferramentas" oferecidas pelo autor de "O Capital" para entender o mundo no século XXI e dele fazer um lugar melhor para se viver. Discorre sobre a grande descoberta de Marx – o conceito de "mais-valia" – e as suas consequências para opressão histórica do operariado e necessária organização para que esse estágio seja superado. E nessa linha de reflexão mostra a vigência e a atualidade de conceitos como globalização e de estado-nação, como conceitos que contribuem para a manutenção da opressão dos trabalhadores.
Finalmente, desafia a muitos que se dizem marxistas a enfrentar o "temor político" que consiste em não assumir esse "desejo" de "mudar o mundo", de ir além de interesses imediatos, de ir a fundo à sua interpretação do mundo, pensando na sua complexidade e estabelecendo relações que nos possibilitem essa visão. Porque, como diz em outro trecho de sua obra, "mudar o mundo significa interpretá-lo." É nesse sentido que, segundo ele, os livros de Marx "não formam um corpus acabado, mas é, como todo pensamento que merece este nome, um interminável trabalho" (de interpretação). Um trabalho que precisa ser continuamente mantido, pois, segundo suas palavras, "o mundo não ficará melhor por conta própria".
*Wasny de Roure é deputado distrital pelo PT