O Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) foi aprovado nesta quinta (04) pelo Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan). Após ter sido analisado pelo IPHAN, essa é a última etapa para que o projeto de lei seja encaminhado à Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Ocorre que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) recomendou expressamente que não sejam implantados hotéis na 901 Norte, além de fazer críticas importantes ao conteúdo e metodologia do PPCUB que, caso integralmente acatadas, levariam à paralisação do processo e revisão do documento. Entretanto o GDF insiste em fazer ouvidos de mercador às recomendações do Iphan e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Nadando contra a corrente dos fatos, o GDF nunca divulgou o conteúdo do Parecer n 065/12-PF/IPHAN/SEDE, de 5 de abril deste ano. Tanto o documento do Iphan quanto a recomendação da Missão Unesco/Icomos 2012 criticam duramente o PPCUB e recomendam a revisão do documento. No caso da Unesco há inclusive a recomendação expressa de que o processo do PPCUB seja paralisado. A Audiência Pública do PPCUB foi marcada por polêmicas e uma anulação judicial mas acabou sendo efetivada diante de uma platéia reduzida em pleno feriadão de Corpus Christi. Entretanto o secretário e presidente substituto do Conplan, Geraldo Magela chegou a afirmar que o processo foi concluído com transparência. “Hoje foi a conclusão de um processo que marca a transparência, a participação popular e a democracia. Isso permitiu que chegássemos a um melhor projeto, com diretrizes para garantirmos o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. A nossa expectativa é de enviarmos o projeto de lei à Câmara Legislativa em 15 dias”, disse.
Conplan – Após a aprovação pelo Conplan, a equipe técnica da Secretaria de Estado de Habitação Regularização e Desenvolvimento Urbano (Sedhab) fará os ajustes aprovados no conselho, já que houve algumas recomendações dos conselheiros em relação à minuta apresentada, como preservação do canteiro central arborizado da Avenida W3, cercamento de área pública das casas do Cruzeiro, e alterações para a Quadra 901 Norte. Porém, ao que tudo indica, não irá seguir as recomendações expressas da Missão Unesco/Icomos 2012 as quais, dentre outras, solicitaram o cancelamento do processo de aprovação atual do PPCUB seguida de uma revisão geral do documento.
Câmara em Pauta teve acesso ao depoimento de um urbanista envolvido no processo, que preferimos não identificar, mas que relata que a posição do relator, o arquiteto Luís Antônio de Almeida Reis, que embasa a decisão do Conplan desrespeita totalmente o parecer do IPHAN quanto à expansão da 901 Norte. A posição do relator foi a de alterar o artigo que trata da criação dos hotéis na 901 Norte, transferindo a continuidade dessa discussão para um momento mais adiante, com outros parâmetros de ocupação a serem avaliados. Contudo, afirma o Urbanista, “a proposta é claramente ilegal uma vez que o parecer do IPHAN é categórico ao afirmar que a altura é 9,5m e o uso é institucional. Os parâmetros de ocupação para a 901 Norte foram definidos pelo Iphan em seu parecer. Não há o que ser discutido posteriormente”, afirma.
Especulação – O motivo implícito para a insistência do GDF em continuar com o projeto hoteleiro para a 901 Norte, ousamos afirmar, é a pressão de interesses vinculados ao mercado imobiliário. É um projeto criticado pela comunidade acadêmica, por arquitetos urbanistas, pela Unesco, pelo IPHAN e pela própria comunidade (há um abaixo assinado na internet que conta até o momento com mais de 1200 assinaturas) por ferir o projeto urbanístico de Brasília, entretanto essa insistência indica haver muita pressão de construtoras, de setores da hotelaria e do próprio governo.
Entre as recomendações do parecer do IPHAN relativas ao PPCUB há severas críticas quanto ao conteúdo do documento, inclusive quanto a aspectos conceituais e legais do tombamento da cidade, o que para ser atendido implicaria em uma revisão total do documento, claramente sem condições de conteúdo e de formato que permitam a apreciação e aprovação pela CLDF. O órgão aponta, por exemplo, que a quadra 901 não pode ser tratada como uma simples gleba ou lote isolado de uma cidade qualquer, recomendando assim que essa área não seja tratada de forma diferenciada mas que volte a fazer parte das demais quadras 900 sul e norte. Também aponta que o PPCUB deve tratar dos conceitos já protegidos pelo tombamento, deve explicar quais serão as alterações na área tombada e porque optou-se por elas, além de "revisar os textos, visto que contêm inúmeras falhas – incongruências, conflitos de enunciados, erros de digitação e comentários contraditórios”
Segundo um urbanista consultado por nossa reportagem, qualquer intervenção que implique na construção de edifícios em grande escala na 901 Norte resultará em “quebra irreversível na leitura simétrica do eixo que estrutura a Capital; Flagrante desequilíbrio entre suas porções norte e sul; Antecipação, via ampliação e disseminação, do setor de negócios, atualmente marcado pela massa de edifícios em altura”, explicou. Simplificando, significa dizer que a criação de um novo Setor Hoteleiro na 901 Norte vai num sentido totalmente oposto da preservação do Conjunto Urbanístico.
Veto – O projeto hoteleiro para a 901 Norte foi vetado pelo IPHAN Nacional, por meio do documento enviado ao GDF relativo à análise do PPCUB. Trata-se do segundo veto feito pelo órgão federal, sendo que o primeiro foi em outubro de 2011. Na análise, o IPHAN Nacional afirma: “A questão da 901 Norte demonstra, de um lado, uma dificuldade por parte de todos os envolvidos em compreender a cidade, ou mesmo, de ter uma visão coerente sobre ela. De outro, explicita os fortes interesses econômicos existentes, agora aflorados frente a tão grande e bem localizada gleba urbana”.
O documento explora, ainda, os conceitos do projeto urbanístico de Brasília, concebido por Lucio Costa. Diz que o Eixo Monumental e o Eixo Rodoviário-residencial estruturam a capital. “Em inúmeros textos, desde o relatório de 1957, Lucio Costa explicou a sua concepção para Brasília. É com este contexto urbano que deve dialogar a Quadra 901. Ela não pode ser tratada como uma simples gleba ou lote isolado de uma cidade qualquer ou tradicional.” E ainda afirma que "o projeto hoteleiro apresentado para a 901 norte anularia a marcação original da área central na paisagem do conjunto urbanístico tombado”.
O documento conclui que o IPHAN considera que a área deve ter uso institucional com edifícios de até 9,50 metros de altura, dessa forma não concorda com os parâmetros propostos para a 901 Norte no PPCUB e recomenda a não criação da área de forma destacada das demais quadras 900, uma vez que os artigos que fazem essa proposta "encontram-se em flagrante desacordo com o art. 11 da Portaria 314/1992 e art. 17 do Decreto-Lei 25/1937".
GDF – A proposta do GDF no PPCUB é de revitalizar os setores centrais do Plano Piloto (Setores Comerciais, Bancários, de Autarquias, de Rádio e TV, Hospitalar) mas dentro junto a essa proposta destina uma área de 85 mil m², situada entre o Colégio Militar de Brasília e a Via N2, para criação da Quadra 901 do Setor de Grandes Áreas Norte, para a qual define o uso obrigatório dos lotes para a prestação de serviços de hotéis e similares e como uso complementar de comércio varejista e prestação de serviços, com uma altura de prédios que pode chegar a 45 metros, cerca de 15 andares ou 2 vezes e meia a altura de um bloco de Superquadra.
O secretário de Habitação, Geraldo Magela reconhece as discordâncias em torno do PPCUB, mas afirmou que não há dificuldades em analisar o projeto e garante que vai levar o PPCUB à votação. “A maioria vai decidir. Já equacionamos as pendências, o projeto foi muito debatido. Há polêmicas no Conplan e vai haver quando o projeto for votado pelos distritais”, ressalta o secretário.
PPCUB – O PPCUB é o instrumento central da política de preservação, de planejamento e de gestão do Conjunto Urbanístico de Brasília, compreendido pelas Regiões Administrativas do Plano Piloto, Cruzeiro, Candangolândia e do Sudoeste/Áreas Octogonais.
A lei deixará claras as regras de uso e ocupação do solo na capital federal e deverá prever, regular e qualificar, por exemplo, áreas de comércio e serviços, áreas verdes, parques urbanos e habitação diversificada. Isso vale para todo o conjunto urbano tombado — Plano Piloto, Candangolândia, Cruzeiro e Sudoeste/Áreas Octogonais.