Após dois dias de debate, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que aborto de feto anencéfalo não é crime, por um placar de oito a dois votos. O julgamento começou nesta quarta (11) e foi suspenso quando faltavam o voto de três ministros (leia aqui). Nesta quinta (12) a discussão quanto à interrupção da gestação de fetos sem cérebro com assistência médica.
A decisão se refere apenas a aborto de fetos com anencefalia e passa a valer após a publicação no "Diário de Justiça" e não considerou nem as propostas de inclusão de regras para a implementação da decisão e nem a sugestão de alguns ministros para que se recomende ao Ministério da Saúde e ao Conselho Federal de Medicina a adoção de medidas que viabilizem o aborto nestes casos.
A ação foi proposta pela em junho de 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). O advogado Luís Roberto Barroso sustentou que o Estado não tem direito de fazer a escolha de abortar ou não um feto anencéfalo em nome da mulher e que em casos de anencefalia, a interrupção da gravidez não pode ser considerada aborto. Para a entidade, não se trata de aborto, mas da “antecipação terapêutica do parto”, já que a sobrevivência do feto fora do útero é completamente inviável.
Votos – No primeiro dia de discussões, o primeiro a se manifestar foi o relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, que votou a favor a descriminalização do aborto neste caso. Seguindo o relator, os ministros Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia também foram favoráveis e confirmando a tendência da Corte de conceder o direito e apenas o ministro Ricardo Lewandowski votou contra.
Nesta quinta (12) votaram os ministros Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso. Antonio Dias Toffoli não votou neste caso pois tem o impedimento de ter se manifestado favorável à questão, quando era advogado-geral da União. Peluso foi o único voto contrário registrado neste segundo dia de debate.
Ayres Britto concordou com a alegação da defesa da CNTS de que a interrupção da gestação de feto com anencefalia não pode sequer ser chamada de aborto, já que o bebê não tem possibilidade de sobrevivência após o parto. “É o direito que tem a mulher de interromper uma gravidez que trai a ideia forma que exprime a locução dar a luz. Dar a luz é dar a vida, não é dar a morte”, defendeu comparando o fato com um martírio e que deve ser voluntário. “Quem quiser assumir sua gravidez até as ultimas consequências, mesmo sabendo portador de um feto anencéfalo, que o faça”, afirmou.
Gilmar Mendes começou seu voto criticando a posição da Corte de rejeitar pedidos de entidades religiosas para figurar como partes da ação. “Essas entidades são quase que colocadas no banco dos réus como se estivessem fazendo algo de indevido, e não estão(…) É preciso ter muito cuidado com esse tipo de delírio desses faniquitos anticlericais”, disse. Seu voto foi favorável ao aborto de anencéfalo, comparando à interrupção de uma gravidez resultante de estupro, pois para ele, nas duas situações, os danos psíquicos para a mulher podem ser irreparáveis.
O terceiro a votar foi Celso de Mello, que foi favorável, argumentando que hoje é possível afirmar com “absoluta certeza a inexistência de vida” em um anencéfalo e disse ser justo que se permita a antecipação terapêutica do parto. “A interrupção da gravidez é atípica e não pode ser taxada de aborto”, disse.
O presidente da Corte, Cezar Peluso foi o último a votar e discordou totalmente dos argumentos de oito ministros, afirmando que a vida humana não pode ser relativizada e ninguém pode definir quem tem ou não direito a ela. “O feto anencéfalo tem vida e, ainda que breve, sua vida é constitucionalmente protegida”, disse lembrando que outras doenças fatais encurtam o tempo de vida e, nem por isso, autorizam a relativização do direito à vida.