Nesta quinta (09), o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão que pode interferir na vida de um grande número de mulheres que sofrem violência doméstica e não têm coragem de denunciar. Por dez votos a um, a Corte estabelece que ações penais baseadas na Lei Maria da Penha poderão ser iniciadas, mesmo que a vítima não faça a denúncia. Com a decisão, a partir de agora o Ministério Público passará a ter a prerrogativa de denunciar agressores e as vítimas não poderão impedir o processo. Estatísticas indicam que até 90% das mulheres desistem no meio do caminho.
A votação respondeu à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4424, apresentada ao Supremo pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, cujo pedido foi fundamentado na necessidade de se dar interpretação conforme a Constituição aos artigos 12, I; 16 e 41 da Lei Maria da Penha. Segundo ele, a motivação da ADI está no fato de que há um “quadro de impunidade de violência doméstica contra a mulher, gerado, fortemente, pela aplicação da Lei dos Juizados Especiais”.
Votos – O primeiro a votar foi o ministro-relator Marco Aurélio Mello, que em seu relatório considerou que, se a ação ficar condicionada à representação por parte da vítima esvazia a proteção à mulher. Para Marco Aurélio, deixar que a denúncia fique a cargo da vítima “significa desconsiderar o temor, a pressão psicológica e econômica, as ameaças sofridas, bem como a assimetria de poder decorrente de relações histórico-culturais, tudo a contribuir para a diminuição de sua proteção e a prorrogação da violência”.
Já a ministra Rosa Weber afirmou que proteção à mulher é uma questão de interesse público e não pode estar condicionada à iniciativa da vítima. Voto vencido, o presidente do STF, Cezar Peluso alegou que para ele, deve prevalecer o entendimento do Congresso de que a manifestação da vítima é necessária. O ministro Gilmar Mendes chegou a cogitar um pedido de vistas o que adiaria a decisão, mas desistiu da ideia.
Constitucional – Antes de votar a norma que amplia a aplicação da Lei, os ministros confirmaram a legalidade da Lei Maria da Penha por unanimidade, entendendo que a lei não fere o princípio constitucional de igualdade, pelo contrário busca proteger as mulheres para garantir uma cultura de igualdade efetiva, sem violência e sem preconceitos e não fere o princípio da isonomia ao dar tratamento diferenciado à mulher vítima de violência doméstica.
Ao defender a importância da atuação do Ministério Público nos casos de agressão contra mulheres, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que condicionar a punição à apresentação de queixa por parte da vítima é "perpetuar um quadro de violência física contra a mulher".
Morosidade = Impunidade – Um dado apresentado pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante impressiona. Levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que desde que a lei entrou em vigor, foram distribuídos 331.796 processos que tratam de agressões a mulheres, mas somente 110.998 foram sentenciados até março de 2011. "A quantidade de processos nas prateleiras das varas criminais responsáveis pelo julgamento dos casos envolvendo crimes contra mulheres ilustra a dificuldade do Poder Judiciário em atender a demanda das vítimas", afirmou.
Já Graice Mendonça, representante da Advocacia-Geral da União (AGU), informou que 92,09% da violência doméstica é praticada pelo homem em face da mulher, demonstrando uma necessidade de um regime legal diferenciado para conter a violência contra o sexo feminino. "Esses dados espancam a tese de que a Lei Maria da Penha fere a isonomia entre homens e mulheres. O que é o principio da igualdade senão tratar desigualmente aqueles que se encontram em posição de desigualdade", declarou Mendonça.
Foto, Agência Brasil.