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Os irmãos Koch de olho na América Latina

Publicado em: 24/08/2020

Por Carolina Rieger Massetti Schiavon e Katya Braghini

Título original: Irmão Koch, think tanks e coletivos juvenisi

Há uma rede multidimensional de instituições e grupos políticos que difundem o ideário “libertariano”, atuando sobre a formação de jovens. Nessa rede, os jovens são vistos como novas lideranças empreendedoras, perfeitos na operação de modificações estruturais na sociedade, entre elas, a alteração de fundamentos republicanos de forma ampla e a mudança no funcionamento da educação pública, de forma específica.

O mote desse grupo é alterar a noção de “educação como direito” e tornar a noção de “educação como mercadoria” um senso comum. Agem, principalmente, por dois meios: primeiro, disseminando a desconfiança em relação à escola pública e os seus professores, acusando-os de fabricar ideologias, instigando uma cultura da delação; segundo, disseminando a adoção de vouchers em larga escala, a gestão privada de aparelhos públicos, defendendo a liberação do homeschooling, e até mesmo o unschooling, que é o direito de não escolarização. Segundo o ideário libertariano, crianças que não podem ir à escola são melhor aproveitadas no mundo do trabalho.

Os libertarianos hasteiam a bandeira da liberdade, porém o termo é usado como sinônimo de livre mercado. Fazem a defesa radical da liberdade individual, o que eventualmente pode ter relação com a liberação do aborto, a liberação das drogas, em nome das liberdades sexuais etc. Mas o que está claro é o manifesto em nome do “indivíduo”. Da vontade do indivíduo emana todo o poder social. Aborto, drogas, sexo são temas secundários quando se pensa que o indivíduo é a célula primeva da sociedade. Pensar as cadeias de interdependências entre o indivíduo e o coletivo, é impossível pela mentalidade desses quadros. Para eles, a sociedade é a somatória absoluta de elementos únicos, separados por vontades e mérito.

Frequentemente, os libertarianos fazem aliança com grupos conservadores, são aqueles que se descrevem como “liberais no que diz respeito à economia e conservadores no que diz respeito aos costumes”. Por exemplo, no caso da expansão do homeschooling, fazem estreitas alianças com grupos religiosos que militam por escolarizar as crianças em casa aos moldes dos valores de suas religiões, na esmagadora maioria das vezes de orientação cristã, muitas vezes promovendo o negacionismo científico e revisionismos históricos que relativizam violências.

Como pensam e agem pela primazia da propriedade, partem da ideia de que o corpo é a nossa primeira propriedade e daí derivam seu axioma, de que o individualismo e a propriedade capitalista é fundada pela natureza ou por Deus. E a partir dessa ideia são disseminados os valores contrários aos movimentos sociais com seus interesses coletivos e comunitários. Pregam esse espírito de pureza do elemento individual que não se deixa levar pelo fracasso das utopias. A vida é pensada na rusticidade da competência de cada um de nós, separadamente, desconsiderando os processos históricos de acumulação. Libertarianos simplesmente não se envergonham de serem ingratos com os pais, professores, amigos, seus possíveis formadores, e não compreenderem absolutamente nada sobre cultura.

Esse ideário é financiado por uma plutocracia bilionária.

Os irmãos Koch podem ser entendidos como um ponto de partida para compreender a organização estratégica e os modos de financiamento na construção histórica de uma rede com programa expansionista desse ideário político-social.

Por uma perspectiva histórica, entende-se que a rede plutocrática da família Koch se inicia com o avô, Harry Koch, seguida pelo pai, Fred Koch, e os irmãos, David e Charles Koch. O avô adquiriu um monopólio da mídia em sua cidade. Fred Koch introduziu a família no universo dos think tanks. Herdeiros da Koch Industries, empresa do ramo petrolífero, os irmãos Koch vêm multiplicando seu patrimônio desde então, hoje avaliado em mais de 100 bilhões. Eles atuam em diversos segmentos de produção, desde steak para ração, a derivados de petróleo em geral, como botões para equipamentos eletrônicos, tapetes e etc.

Trata-se de uma história escalonar que conta sobre o aumento do patrimônio financeiro, o aumento da difusão ideológica, presa ao enriquecimento e a meritocracia, concentrando esforços no sentido de moldar a mentalidade social. Mas não é só na atuação industrial e de comunicação que os Koch vêm expandindo e se diversificando como instituição.

Em 1992, Charles Koch fez uma declaração ao National Journal, dizendo que o seu conceito geral de vida “é minimizar o papel do governo e maximizar o papel da economia privada e maximizar as liberdades pessoais“ii, justificando a sua ação direta, filantrópica, para diferentes instituições “sem fins lucrativos” de modo a ampliar os efeitos da ideia de supervalorização do indivíduo e da economia privada. Desse modo os irmãos Koch promovem a sua visão de mundo com muito dinheiro em uma série de projetos e instituições, principalmente de cunho educativo.

A John Birch Society (JBS) que, entre outras coisas, busca na Bíblia argumentos para se opor à democracia, difunde teorias da conspiração e apoia o homeschooling do tipo cristão, foi o think thank de estreia da família Koch. Trabalharam junto ao Libertarian Party (LP), tentativa frustrada de ingresso dos irmãos na política partidária, quando David Koch concorreu como candidato a vice-presidente de Ed Clark, com propostas de desregulamentação para todos os setores sociais, para avançar na minimização do papel do estado na economia. O cargo eletivo direto, plano inicial, passou a ser secundário quando perderam a eleição, e perceberam na juventude o melhor caminho para difundir seu ideário, pensando em uma formação libertariana desde as bases. E o caminho foi permear os centros de pesquisa, as universidades com thinks tanks produtoras de conhecimento e financiadoras de ações, com o objetivo de estabelecer uma nova subjetividade.

Partiram à “guerra de ideias” para fomentar a desconfiança concernente ao Estado e agir pela educação passou a ser um dos principais caminhos do programa. A educação não é apenas um meio para se ganhar dinheiro, um negócio. A escola pública, republicana, entendida como tecnologia emissora de ideais, conceitos e valores acabou se transformando no principal mecanismo de estruturação neoliberal pela visão desses sujeitos.

Por isso é muito comum encontrar financiamento deste grupo no ensino superior em diferentes países. As think tanks dos irmãos Koch financiam departamentos de pesquisa e bolsas de estudo que buscam de soluções para questões sociais orientadas pela defesa do livre mercado e produzem conhecimento sobre empreendedorismo, privatização e a “filosofia da liberdade”. Chamados de filantropos, pagam por análises conjunturais por essa perspectiva, treinando pessoas para a replicarem, produzindo pesquisas nas áreas das ciências humanas, econômicas e na formação docente. Existe, inclusive, consultoria para acadêmicos, que queiram orientar suas publicações, afinando-se ideologicamente por referências bibliográficas interessadas em contabilizar as menções a autores libertarianos.

Impetuoso na década de 1970, o movimento de expansão libertariana se concretiza por meio de um golpe de estado e posterior instauração da ditadura no Chile. Naquele momento, intelectuais orgânicos da Mont Pelerin Society (MPS), fundada pelo economista Friedrich Hayek, produtores das ideologias distribuídas pelos think tanks mantidos pelos Koch, participaram ativamente da construção do novo regime. Libertarianos recorrem ao estado máximo no que tange à repressão, ao uso de recursos como golpes de estado e lawfare, para evitar o que entendem como “excessos democráticos”.

Para Hayek, “a democracia ilimitada traria resultados tão ruins que seria necessário um período de transição com uma ditadura, para que a sociedade tivesse assegurada sua liberdade individual e assim, pudesse voltar para um sistema democrático com regras e restrições ao poder governamental”. Isto é, o economista defendeu a necessidade de uma “ditadura transicional”, ao falar sobre o regime de Pinochet, no Chile, onde teve papel relevanteiii. E a educação foi usada como meio para o estabelecimento do regime, instrumentalizada à implantação dos instrumentos neoliberais de educação (1980-1988), para garantir a fase seguinte, o “consenso privatizador” (1988-1990)iv.

Por reunirem alguns fatores como garantirem maior longevidade ao ideário, os jovens são vistos como sujeitos principais da ação libertariana. Nas palavras de Frank Chodorovv, na década de 1950, “O individualismo pode ser revivido implantando-se as ideias já nas mentes das gerações vindouras… É, em suma, um projeto de cinquenta anos”vi. Além disso, a juventude, passa ares de inovação ao movimento.

Desde então, a América Latina vai sendo desbravada, de modo a formar um contingente libertariano juvenil importante. Por meio de militância e intercâmbio de jovens, a rede se expande. Atualmente, as doações dos Koch afluem por meio da Atlas Network e do Students for Liberty (SFL), dentre outras instituições. O SFL é a maior organização estudantil “pró-liberdade” no planeta. Está sediado na Virgínia, tem um grande número de sucursais pelo mundo. Sua missão é “educar, desenvolver e empoderar a próxima geração de líderes da liberdade”, num modelo único de educação. No Brasil, o número de parceiros não para de crescer, atualmente são 15, de acordo com o site da Atlasvii.

Um exemplo que interliga educação e juventude a maneira libertariana é o Gloria Álvarez, militante guatemalteca que ganhou popularidade no final de 2014, quando o vídeo de sua fala, na sua exposição durante o parlamento Ibero-americano da juventudeviii, viralizou nas redes sociais. No referido vídeo, a militante ataca o que chama de “populismo” na América Latina, reiterando afirmações que desenvolveu ao longo de sua formação na Universidade Francisco Marroquín (UFM). A UFM é uma universidade que segue os princípios libertarianos, única do mundo que há mais de três décadas forma seus alunos na “filosofia da liberdade”. Segundo eles, a ideia é combater o “vitimismo” latino-americano dependente do populismo de todo governo que se proponha a garantir direitos sociais.

Álvarez afirma que o “livre mercado é o remédio para todos os males”. Diz que nenhum habitante do planeta está livre do egoísmo. A musa libertariana se opõe a tudo o que é público, reafirmando que todo político luta por interesse próprioix. Ironicamente, tornou-se presidenciável em 2019, pleiteando um cargo público, talvez tendo em vista o cumprimento dos seus próprios objetivos.

Essa jovem também atuou de maneira intensificada, no Brasil, durante as manifestações de oposição à presidenta Dilma Rousseff. Financiada por fundações latino-americanas parceiras da Rede Atlas, Álvarez foi à Avenida Paulista discursar a favor do impeachment, no palanque do grupo “Vem pra Rua”x, paramentada com a bandeira do Brasil estampada na camiseta. Há sucursais da Atlas Network espalhadas por toda América Latina.

Em 1 de abril de 2015, a Atlas publicou uma matéria elogiando a atuação do Movimento Brasil Livre (MBL), dizendo que havia um parceiro da Atlas Network e do Students for Liberty, estrela libertária em ascensão à frente do movimento. Este é Kim Kataguiri, um dos líderes que passa a aplicar o que aprendeu no terreno onde vive e trabalhaxi.

Para atuar nas manifestações que ficaram conhecidas como Jornadas de Junho, em 2013, membros do “Estudantes pela Liberdade” (EPL) forjaram a marca MBL, porque como membros de instituições mantidas por doações estrangeiras, eles não poderiam atuar diretamente na política brasileira. Entretanto, como a marca ganhou projeção nacional, foi reaproveitada para atuar nas manifestações de oposição ao governo petistaxii. E, como sabemos, foi peça importante na difusão do antipetismo.

De acordo com a Reason TV, da Reason Foundation, think tank parceiro da Atlas, a deposição da presidenta teria fracassado sem a força propulsora do MBL. Não parece coincidência que essa rede de quadros juvenis esteja tão apegada ao processo de impeachment, estimulando a espetacularização do rito. Inclusive, aproveitando-se da pauta de procedimentos frequentemente chamada de “pós-verdade”.

Steve Tesich que, ao que tudo indica, foi um dos primeiros sujeitos a empregar o termo em 1992, explica que a novidade deste fenômeno social é que “a verdade não é falsificada ou contestada, mas passa a ser de importância secundária”. Isso é, há de se compreender que um coletivo juvenil brasileiro, o MBL passou também à história como produtor de pós-verdade do tipo “libertariana”. Porque são notórios produtores de desinformação replicando as mesmas pautas dos think tanks libertaristas. No campo educativo, procuram destruir o projeto iluminista de escola pública, tentando alterar a função da escola. No campo político, justificam o neoliberalismo econômico, fazendo movimento em nome da remoção de entraves para o seu avançar. No plano econômico, lutam pelas alterações das leis de seguridade social e trabalhistas.

As ações do MBL chegam ao grande remate dos Koch no campo social: financiar a produção de “movimentos populares”. Essa tática foi desenvolvida pelo alto funcionário de Charles Koch, Richard Fink, em sua tese “Structure of social changes”. O autor identifica a necessidade de financiar ativistas, para vencer a “guerra de ideias” como em uma linha de produção.

O que se vê claramente como associação de ideias é sistematizado no primeiro Congresso Nacional do MBL em 2015. Vemos propostas que pregam pela reforma empresarial da educação; aliança com movimentos conservadores, em busca da “Escola sem Partido”; movimentos de destruição do ensino público. É oferecida à sociedade uma carta de produtos como caminhos “para maior igualdade social e eficiência da escola”, embora já exista uma profusão de pesquisas que concluem o contrário.

Não chega a ser problema para o grupo ser arauto de um mundo em “concorrência universal”. Neste caso, a ideia de que o “novo sempre vem” porque se é jovem, nos mostra que ser jovem não é prerrogativa para ser progressista.

Publicado originalmente em Outras Palavras

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