O juiz substituto Frederico Ernesto Cardoso Maciel, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), absolveu um réu confesso de tráfico, ao entender que as normas que proíbem o uso da maconha para fins recreativos no Brasil são inconstitucionais. A decisão foi proferida em outubro do ano passado, mas o Ministério Público recorreu e o caso deve voltar a julgamento no início deste ano. O caso foi divulgado nesta segunda (27) pelo site Consultor Jurídico.
Em maio do ano passado, o réu foi preso em flagrante tentando entrar com 52 trouxas de maconha na Penitenciária da Papuda dentro do estômago. Ele pretendia entregá-la para um amigo que está cumprindo pena. Nas alegações finais, ele confessou o crime mas recorreu da condenação.
Ao analisar um pedido de redução de pena, o juiz Frederico Maciel afirmou que “há inconstitucionalidade e ilegalidade nos atos administrativos que tratam da matéria (crime de tráfico de drogas)”, que prevê entre 5 e 15 anos de prisão para quem fornece drogas a outra pessoa e mandou soltar o acusado. Na visão do juiz, a Lei de Drogas, de 2006, não listou quais substâncias são ilícitas, deixando isso a cargo do Ministério da Saúde. Em 1998, o Ministério da Saúde já havia expedido uma portaria considerando entorpecentes substâncias como o Tetra Hidro Cannabinol (THC), princípio ativo da maconha, mas a portaria não justifica por quais motivos o THC foi considerado como entorpecente.
Nem o juiz nem o promotor responsável pelo recurso quiseram comentar o assunto.
Cultura atrasada – Segundo o magistrado, como não existe uma justificativa oficial para a proibição do uso da maconha, a criminalização do uso da droga transgride o princípio da impessoalidade determinado pelo art. 37 da Constituição. “O ato administrativo, em especial o discricionário restritivo de direitos, diante dos direitos e garantias fundamentais e também dos princípios constitucionais contidos no art. 37 da Constituição da República devem ser devidamente motivados, sob pena de permitir ao Administrador atuar de forma arbitrária e de acordo com a sua própria vontade ao invés da vontade da lei”, argumenta o juiz.
Para o magistrado é incoerente a proibição do uso da maconha, principalmente diante da legalização de outros entorpecentes, como o álcool e o cigarro. “Ademais, ainda que houvesse qualquer justificativa ou motivação expressa do órgão do qual emanou o ato administrativo restritivo de direitos, a proibição do consumo de substâncias químicas deve sempre atender aos direitos fundamentais da igualdade, da liberdade e da dignidade humana”, sentencia.
Ele argumenta ainda que “soa incoerente o fato de outras substâncias entorpecentes, como o álcool e o tabaco, serem não só permitidas e vendidas, gerando milhões de lucro para os empresários dos ramos, mas consumidas e adoradas pela população, o que demonstra também que a proibição de outras substâncias entorpecentes recreativas, como o THC, são fruto de uma cultura atrasada e de política equivocada e violam o princípio da igualdade, restringindo o direito de uma grande parte da população de utilizar outras substâncias”.
Recreativa – Ainda na decisão, o magistrado cita exemplos de locais onde o uso recreativo da maconha é permitido e quando a droga é reconhecida, até mesmo, culturalmente. “O THC é reconhecido por vários outros países como substância entorpecente de caráter recreativo e medicinal, diante de seu baixo poder nocivo e viciante e ainda de seu poder medicinal para a saúde do usuário, sem mencionar que em outros o seu uso é reconhecido como parte da cultura”, declara.
Além disso, ele sustenta que “não é por outro motivo que os estados americanos da Califórnia, Washington e Colorado e os Países Baixos, dentre vários outros, permitem não só o uso recreativo e medicinal da droga como também a sua venda, devidamente regulamentada, e outros países permitem somente o uso, como Espanha, dentre outros”.
FHC – A decisão cita indiretamente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que já defendeu a legalização da maconha. “Também não se desconhece a opinião pública de escol, em especial de ex-presidente da República, a qual demonstra a falência da política repressiva do tráfico e ainda a total discrepância na proibição de substâncias entorpecentes notoriamente reconhecida como recreativas e de baixo poder nocivo”, aponta.
Curiosamente, a defesa do réu admitiu durante o julgamento que ele estava com a droga e que pretendia dá-la ao amigo preso. O advogado pediu a aplicação da pena mínima de prisão e em regime aberto.