Por Tatiana Lionço – Estive mais uma vez conversando com estudantes de graduação da Universidade de Brasília na última segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013, sobre sexismo e homofobia nas escolas. O curso de Psicologia oferece uma disciplina obrigatória a alunos e alunas de todos os cursos da universidade que concedem o título de licenciatura, ou seja, que contemplem profissionais em formação que atuarão nas instituições de ensino da Educação Básica. Há pelo menos dois anos retorno a esta disciplina como palestrante convidada e busco dialogar sobre os fundamentos da necessidade de discutir sexualidade e gênero nas escolas.
Coincidentemente, no mesmo dia em que eu conversava com estudantes universitários da UnB sobre homofobia, uma aluna de graduação da instituição foi agredida fisicamente e moralmente por um rapaz, segundo a mesma também estudante da universidade. Não sabemos ainda qual o nome ou rosto deste rapaz anônimo, pois o caso ainda está sendo investigado pela polícia, o que nos permite pensar que ele é um reprensentante de parte da juventude brasileira, similar aos agressores ainda não identificados do jovem de vinte e dois anos que foi espancado até a morte no Rio de Janeiro, na quarta-feira de cinzas do corrente ano. Na UnB, disse o rapaz à agredida que ela era uma lésbica nojenta. Pelas suas costas, desferiu golpes que a lesaram fisicamente, mas vale explicitar que mesmo que não houvesse lesão corporal, as palavras que foram dirigidas a esta jovem universitária já seriam suficientes para consumar dano. Nojo, a expressão da recusa à integridade moral da agredida. O nojo do rapaz fere a integridade moral da estudante e a rebaixa à abjeção, àquilo que não é passível de integração à comunidade, à ordem comum entre pessoas humanas.
Poucas horas antes eu já estava preocupada e pensativa sobre o diálogo que tive com estudantes em sala de aula. Discutimos, entre outras coisas, o direito à liberdade de consciência e de crença, impulsionadas pela participação de um aluno que mencionou – após a minha ressalva sobre as tensões morais sobretudo religiosas que atravessam a realidade cotidiana, política e escolar no que tange à sexualidade – que atualmente as pessoas de religião evangélica vinham sofrendo preconceito no país. São consideradas homofóbicas e preconceituosas, mas teriam o mesmo direito à opinião que qualquer um, e também estariam sendo objeto de discriminação, assim como homossexuais.
Este episódio foi tenso em sala de aula, despertando a participação de muitas pessoas com depoimentos sobre as próprias convicções religiosas ou não, e suas percepções sobre os fenômenos discriminatórios. Uma das presentes, uma psicóloga já formada que compareceu a convite da professora responsável pela disciplina, deu um depoimento tocante, em que afirmou que entendia a questão levantada pelo aluno, tendo ela mesma sido evangélica durante duas décadas de sua vida, mas que atualmente, convivendo em relação conjugal com outra mulher, se sentia muito mais vulnerável a agressões. Não era prudente comparar o antigo preconceito do qual era alvo quando religiosa, como quando estranhavam sua recusa ao álcool e lhe atribuíam ingenuidade, à atual situação em que o simples fato de amar outra mulher a fazia temer um ataque repentino em seu dia-a-dia. Não há como derivar linearmente do ataque ocorrido o fundamentalismo religioso, mas aproveito a concomitância dos episódios para alertar sobre os riscos da atual reivindicação, inclusive dentro de nosso Congresso Nacional, da suposta legitimidade da manutenção de discursos desqualificatórios sobre a homossexualidade.
Entre o nojo e a opinião moral sobre inoportunidade da homossexualidade existe uma diferença qualitativa. No entanto, os discursos sobre pecado, imoralidade ou inferioridade moral dos laços amorosos entre pessoas do mesmo sexo estão na base do potencial nojo, uma reação emocional irracional que beira a passagem ao ato. É no corpo que se sente nojo, e não simplesmente na cabeça ou no campo das ideias racionais. Este discurso de inferioridade, a reivindicação pelo direito a pensar diferente, neste caso, se traduz facilmente em legitimidade racional para reações e ações irracionais que, amparadas no nojo, descambam para a agressão, ou seja, implicam uma outra pessoa, objeto de desqualificação, como protagonista de uma cena de violação.
Diversos coletivos de mobilização política estão se articulando para reagir a esta violência ocorrida na universidade. A Subversiva, o Movimento Honestinas e ANEL convidam, para no dia vinte e dois de fevereiro às 12h, no CEUBinho (entrada norte do ICC, campus da UnB), realizar um debate coletivo sobre como reagir a este ataque lesbofóbico. Como professora universitária, além de me manter aberta ao diálogo corpo-a-corpo com estudantes sobre a sua atuação profissional futura, não posso deixar de lamentar como, infelizmente, a Educação Básica no Brasil já falhou, posto que insuficiente para a revisão de processos de opressão, violência e marginalização, como é o caso comprovado de existir um estudante universitário que atua violentamente após ter já concluído esta etapa básica da educação. Como professora universitária e ativista pelos direitos humanos e sexuais, faço um apelo para que as pessoas hoje repensem suas opiniões, domem seus nojos e jamais pratiquem a agressão.
*Tatiana Lionço é ativista feminista, membro fundadora da Cia Revolucionária Triângulo Rosa, doutora em Psicologia e professora de graduação e mestrado em Psicologia no Centro Universitário de Brasília – UniCEUB