Por Leiliane Rebouças* – Quando eu era criança,como todos sabem, burlei a segurança do Presidente da República ( José Sarney) e lhe entreguei uma carta pedindo a fixação dos moradores da Vila Planalto, que é um reduto de pioneiros que construíram Brasília e que estavam ameaçados de expulsão. O Presidente da República, sensibilizado, respondeu à minha carta e encaminhou o exame do assunto ao governador José Aparecido de Oliveira. Naquela ocasião, Aparecido já havia visitado o Diretor Geral da UNESCO, em Paris, a fim de convencê-lo a incluir Brasília na lista do Patrimônio Cultural da Humanidade.
Na audiência que tive com o Governador Aparecido, ele me falou da sua preocupação em preservar Brasília e que em seus planos a Vila Planalto estava incluída. Ele, didaticamente, me explicou a importância do título de Patrimônio Mundial e do Tombamento de Brasília. Eu era apenas uma criança de 10 anos, mas tudo o que conversamos ficou gravado na minha memória e fez com que eu tivesse desde então um grande sentimento de responsabilidade pela minha cidade, que já não seria somente minha, pertenceria a toda humanidade. Quando fui para a Universidade, decidi estudar Relações Internacionais por causa da ação da UNESCO. Hoje, no mestrado da UNB, escolhi Brasília como objeto de estudo; e já penso no doutorado em realizar um estudo comparativo entre a preservação de Brasília e Tel Aviv ( Primeira e segunda cidade contemporãnea a figurar na lista do Patrimônio Mundial). Esse é o efeito da educação patrimonial direcionado às crianças! Pena que isso é tão raro em Brasília.
Aparecido me contou que quando ele era Secretário da Cultura de Minas Gerais, viu Afonso Arinos declarar algo mais ou menos assum: " Eu fui menino, em uma cidade menina. Se Belo Horizonte tivesse preservado as suas concepções originais, certamente seria uma cidade exemplar da arquitetura Bélle Époque do Mundo!" . Aparecido disse que isso lhe serviu de sinete em relação à Brasília, que devido a sanha dos especuladores estava correndo o risco de perder rapidamente as concepções originais do Plano Piloto de Lúcio Costa e da Arquitetura Modernista de Niemeyer. Por isso, procurou a UNESCO a fim de preservar Brasília para as gerações futuras.
Um amigo meu, crítico de Arquitetura, o diplomata André Aranha Corrêa do Lago, sempre repete uma frase que foi publicada em uma famosa revista americana: "Brasília é o berço e o túmulo da arquitetura moderna". Considero a frase perfeita! E se assim é hoje, devemos ao empenho do Governador José Aparecido.
Muitos críticos do tombamento de Brasília, dizem que a cidade foi "engessada". Fico imaginando duas asas de um avião engessadas e caio na risada com o absurdo da imagem! risos. Quem fala uma besteira dessas das duas uma:ou não entende nada do tombamento de Brasília, ou é mal intencionado. Ou as duas coisas. O que foi tombado em Brasília foi a concepção urbanística, as escalas do Plano Piloto de Lúcio Costa: escala Monumental, gregária, residencial e bucólica. Ou seja, o tombamento é bastante flexível. Quem diz que a cidade está "engessada" não entende nada das escalas da cidade e deveria estudar um pouco de urbanismo para não sair pagando mico e falando bobagem. Por isso, quando alguém lhe disser essa frase absurda, caro leitor, faça como eu: cai na risada (interiormente) imaginando um avião engessado!
O tombamento de Brasília é o que garante a sustentabilidade e qualidade de vida que temos em Brasília. Pois, garante que Brasília permaneça com a concepção de cidade-parque, com amplas áreas verdes e vazios. Se assim não fosse, Brasília teria ainda mais ipermeabilização do solo e as inundações seriam ainda piores! Por exemplo.
Esse momento,em que o GDF encaminhou o PPCUB para a CLDF, fico extremamente preocupada com o futuro da cidade. Pois, o que percebo é que não há nenhuma seriedade no sentido de preservar Brasília! A maioria dos dirigentes da nossa cidade não tem nenhuma noção da concepção urbanística de Brasília,os técnicos que realmente entendem de preservação não estão lotados nos órgãos responsáveis. O DEPHA-DF foi extinto depois de esvaziado!
Brasília está sendo fatiada e entregue numa bandeja de pratapara os especuladores imobiliários! Por isso, urge que toda a população se una na defesa da sustentabilidade e na preservação de Brasília. Essa cidade singular que pertence, aos brasilienses, aos brasileiros e ao mundo!
*Leiliane Rebouças é Bacharel em Relações Internacionais, Mestranda de Turismo da UNB, Ativista de Direitos Humanos desde que nasceu.