Carlinhos Cachoeira e a imunidade parlamentar dos políticos da República DEMocrata de Goiás

Publicado em: 01/04/2012

 

 

O Câmara em Pauta publicou matéria,após analisar a íntegra do inquérito da Operação Monte Carlo da Polícia Federal, onde chama a prisão de Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira de “de ponta do iceberg”. De acordo com os procuradores da República em Goiás, o inquérito se concentra agora em identificar os políticos que estariam envolvidos com a máfia dos caça-níqueis. Como os suspeitos em questão contam com imunidade parlamentar, essa investigação deve ser conduzida pelo procurador-geral e pode desencadear investigações acerca de quem conta com foro privilegiado.

Um dos inúmeros fatos que cabe ser questionado é o fato de o procurador geral da República, Roberto Gurgel, mesmo tendo recebido as primeiras informações do envolvimento de políticos com a quadrilha de Cachoeira desde 2009, só esteja encaminhando um pedido de inquérito ao Supremo Tribunal Federal (STF) após a prisão do titereiro que comandava seus fantoches em diversas instâncias. O próprio Gurgel disse que recebeu as informações, mas que seriam “insuficientes”, só ficando mais “robustas” justificando pedido de inquérito após a prisão do mentor.

Segundo o procurador, ele pediu o desmembramento do inquérito em três frentes: uma deve se concentrar em apurar o envolvimento do senador Demóstenes Torres (DEM-GO); outro inquérito irá investigar a participação de deputados no esquema, cujo número Gurgel não forneceu, dizendo apenas que os alvos do Ministério Público seriam os políticos que “vem sendo citados pela imprensa e que o caso tramita sob sigilo”; a terceira parte deve investigar os demais envolvidos, que não têm prerrogativa de foro e cujos casos devem ser enviados à Justiça Federal em Goiás. Quem recebeu a tarefa de relatar o caso no STF foi o ministro Ricardo Lewandowski e caberá a ele decidir sobre o pedido de Gurgel.

Demóstenes – A cada novo personagem que surge ligado a Cachoeira na história, o nome de Demóstenes Torres vai se mostrando ser um dos mais importantes na hierarquia da “organização” comandada por Cachoeira. Nas gravações, o senador demonstra estar a par de todas as atividades do “amigo”, apesar de ter negado que conhecesse suas atividades criminosas quando as primeiras gravações foram divulgadas. O que nenhum dos dois esperava era que a PF conseguisse grampear os celulares Nextel habilitados nos Estados Unidos, justamente para fugir dos grampos.

Ironicamente, o advogado de defesa do senador, Antônio Carlos de Almeida Castro, agora lança mão exatamente do argumento de que o senador possui foro privilegiado, o que segundo ele, tornaria ilegais as escutas feitas pela Polícia Federal, que apontam envolvimento do senador com negócios ilícitos. Ainda segundo o advogado, Torres “está preocupado com essas gravações, que são negativas à imagem dele”, mas afirmou que quanto à questão jurídica estão “muito tranquilos”.

Diversas gravações entre o senador e Cachoeira apontam que o mandato de Torres era comumente usado em beneficio do bicheiro. Os dois conversaram sobre um projeto a respeito da legalização de jogos, cujo texto o senador enviou ao amigo além de explicar do que se tratava. Outros favores, como a tentativa de resolver uma demanda de um colega de Cachoeira no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que o senador oferece conversar diretamente com a ministra do Meio Ambiente, com quem diz ter uma relação muito boa.

O senador também prestou favores a Cachoeira na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e na Infraero, responsável pela infraestrutura dos aeroportos do país. A recíproca era verdadeira, já que em outra gravação era Demóstenes que pedia que o contraventor conseguisse beneficiar uma agência de publicidade de um amigo a conseguir contratos em Mato Grosso para a Copa do Mundo. A ajuda seria para a empresa indicada vencer uma licitação para prestação de serviços de marketing relacionados ao Mundial de 2014.

Outros – Além do senador do DEM, outros parlamentares participavam da política paralela da “República DEMocrata de Goiás”. Os deputados Sandes Júnior (PP-GO), Jovair Arantes (PTB-GO), Rubens Otoni (PT-GO) e Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO), foram citados em relatório da PF e também foram flagrados em transações com a organização de Cachoeira.

Num dos trechos de gravação que foi divulgado, Leréia cobra o depósito de determinada quantia de dinheiro de Wladimir Garcez, um dos operadores de Cachoeira, também preso na Operação Monte Carlo. Após a análise dos diálogos, a PF afirma que eles conversavam por códigos, sobre licitações e outros negócios de interesse direto de Cachoeira.

Interessante foi a explicação dada por Sandes Júnior, que em conversa com Cachoeira, falou sobre cheques. Ele afirmou que os cheques seriam o pagamento da rescisão do contrato dele com uma rádio. E que Cachoeira “estava brincando” quando cobrou a parte dele. Acompanhe o diálogo:

Cachoeira: O negócio não andou nada. Eu te falei que o trem lá não sai.

Sandes Júnior: O negócio já está no departamento jurídico pra formatar o edital e fazer concorrência pública. Tá muito mais adiantado do que você possa imaginar. Você recebeu lá na ADI. Eles deram vários cheques. É melhor dividir do que não receber. Até o final desse ano.

Cachoeira: Uê, foi bom então, uê. Então você tem que repartir comigo, que eu fiz você receber.

Além dos goianos, o deputado federal e ator Stepan Nercessian (PPS-RJ), membro da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara, foi atingido pela enxurrada de denúncias e já até entregou ao presidente nacional do PPS, Roberto Freire, um pedido de licença do partido. De acordo com a Folha de São Paulo, o deputado recebeu R$ 179 mil do bicheiro no ano passado.

As “explicações” dos políticos envolvidos tem sido bastante criativas e com Nercessian não foi diferente. Segundo ele, Cachoeira e amigos pediram que ele fizesse o favor de comprar um espaço no Sambódromo, para o carnaval deste ano, e isso custou R$ 19 mil. Os outros R$ 160 mil foram um empréstimo que ele inclusive já teria pago ao contraventor. “Sou um cara que está na vida pública há 44 anos como artista. Tenho todo tipo de amigo. Conheço o Carlinhos (Cachoeira) há mais de 20 anos e sempre tive relação social com ele”, disse.

O Câmara em Pauta ousa afirmar novamente: a exploração de jogos ilegais talvez seja uma ínfima ponta de um iceberg capaz de afundar muita gente envolvida com todo tipo de ilegalidade e corrupção, que se prestava a manter o império de jogos de Cachoeira e sua curriola. Ao fim e ao cabo, a Operação Monte Carlo desvela um poder paralelo: a república DEMocrata de Goiás. Vale lembrar que somente 10% dos icebergs ficam à mostra.

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