No dia 25 de Agosto de 1986 , a mando do Presidente José Sarney, o governador de Brasília me recebeu em audiência. Eu tinha apenas 10 anos e a responsabilidade de representar as quase mil famílias de moradores da Vila Planalto ameaçadas de expulsão, naquela época. Isso graças a ousadia de burlar a segurança do Presidente e chamar a atenção nacional para a situação miserável em que viviam os pioneiros que construíram Brasília, como o meu falecido pai que aqui chegou em 1958.
Aquele dia tão especial e importante me reservava uma grande surpresa. Antes da minha audiência, Aparecido estava recebendo a filha do ex Presidente, Juscelino Kubitschek, Márcia, que havia deixado Nova York para se instalar em Brasília e fora ao ex governador discutir sobre sua candidatura a Câmara dos Deputados. Para a minha surpresa, fui recebida por Márcia e Aparecido, e o mui querido professor Guy de Almeida .
Ali nasceu uma amizade que durou anos e anos.
Eu chamava Márcia carinhosamente de tia. Durante a campanha ela esteve diversas vezes na Vila Planalto, onde era bastante querida por aqueles que ajudaram seu pai na construção dessa cidade. E me colocava no palanque ao seu lado e do seu primo Carlos Murilo. Depois de eleita, as portas do seu gabinete sempre estiveram abertas para mim, e muitas vezes passava lá apenas para dar um beijo.
E era muito bem recebida pelos seus assessores: Dona Neuza, e os dois “Chiquinhos”…
Um dos Chiquinhos, de quem eu era mais próxima, acompanhou Tia Márcia por muitos anos, até ela ir para a Embratur. Fui algumas vezes no apartamento dela na Asa Sul, especialmente quando esteve doente com hepatite. Éramos recebidas ( eu, mamãe e integrantes do grupo das dez) por Dona Sarah, sua mãe, que era uma mulher pequenina em estatura mas, de grande elegância e de simplicidade ímpar! e que me tratou com muito carinho.
Minhas reivindicações sempre foram para o coletivo, nunca me aproveitei da proximidade com políticos influentes para proveito próprio, e nem minha família! Num país como o nosso , em que “farinha pouca, meu pirão primeiro” fomos duramente criticados por parentes por causa disso! eu poderia ter estudado nas melhores escolas particulares de Brasília, se lhe pedisse bolsa de estudos, ou empregar bem os meus irmãos! Mas, nunca pedi nada disso. Não cresci com esses valores de tirar proveito próprio da política.
Aprendi com minha mãe a representar a minha comunidade, sem se deixar cooptar. E tenho raiva de lideranças comunitárias da Vila que hoje usam a comunidade na política para conseguir cargos e empregar seus parentes quando esses não tem qualquer contribuição técnica a dar para melhorar Brasília. Uma coisa é você ser escolhido para ocupar cargo por sua capacitação técnica e acadêmica, outra é você ocupar cargo apenas pra preencher o cabide de empregos e puxar saco de político a fim de garantir votos nas eleições. O cabo eleitoral remunerado que nada tem a contribuir para a sociedade ! E infelizmente, o país está cheio dessas figuras!
Graças a Tia Márcia conseguimos pequenas e grandes conquistas importantes na comunidade, como a nova escola, e implantação de quebra-molas na via principal da Vila Planalto. Naquela época de Constituinte ainda não tínhamos Câmara Legislativa e dependíamos exclusivamente dos representantes do DF no Congresso Nacional. Tínhamos que sensibiliza-los para nossos pleitos e não era fácil em se tratando da Vila Planalto porque a maioria era unida com a especulação imobiliária que queria nos ver longe daquela área nobre.
Por ter vivido uma ditadura, e lutar pela representação e emancipação política do DF, sou contra quem acha que fechar a CLDF é a solução para acabar com os desmandos ! A solução é mudar pelo voto, é trabalhar para conscientizar politicamente a população que troca voto por benefícios próprios e não percebe o mal que faz a cidade; é fiscalizar as ações dos nossos parlamentares e exigir tranparência! Isso sim é democracia com participação!
O tempo passou, eu me tornei uma adolescente rebelde com tendencias políticas de esquerda (Até que o Muro de Berlim caiu, e depois me decepcionei com as ações da esquerda tão parecidas com as da extrema direita) e comecei a questionar tudo! Um dia, quando tia Márcia era vice- governadora e visitava a Vila Planalto na companhia do governador Roriz, lhe falei da minha decepção política com ela, que se aliara a Roriz, de quem eu tinha muitas restrições ( e que até hoje, não admiro como político). Tia Márcia, sábia , me falou algo que eu nunca vou esquecer: Leiliane, o importante é que eu te conheço e você me conhece!
Pra quem é bom entendedor, significa: mesmo em lados opostos, e com pensamentos diferentes e divergentes a nossa amizade permaneceria. Política é uma coisa, amizade é outra.
Acesse o link abaixo e veja um pouco da minha história contada pela doutora em sociologia , Christiane Coelho: http://www.memoriamedia.net/historiasdevida/index.php?option=com_content&view=article&id=51&Itemid=93
- LEILIANE REBOUÇAS É Bacharel de Relações Internacionais, Mestranda de Turismo da UNB, Ativista de Direitos Humanos desde que nasceu.
- Foto ilustração: Simone de Moraes