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Aras é um serviçal do sistema político, diz ex-procurador

Publicado em: 15/08/2020

O ex-procurador da força-tarefa da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima, afirmou em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco que o procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, é um serviçal do sistema político, independente se de Bolsonaro, Renan Calheiros, Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, ou “quem quer que seja”. “Ele vai ser uma pessoa confiável para o sistema”, diz.

Carlos Fernando acredita que o PGR escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro tem perseguido a Lava Jato pelo fato de a operação ter mexido com o establishment político e, pelo mesmo motivo, o coordenador da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, pode ser afastado do cargo pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), na próxima terça-feira (18).

Congresso em Foco procurou Augusto Aras para rebater as críticas a ele direcionadas, mas ainda não obteve resposta. O espaço segue aberto para o procurador-geral.

Leia abaixo a entrevista com o procurador aposentado.

Congresso em Foco – A revista Veja publicou hoje (14) que dos 11 votos do CNMP , oito são contrários ao Deltan Dallagnol. O procurador já respondeu a quase 50 processos disciplinares e sempre saiu ileso. O que mudou de lá pra cá?

Carlos Fernando Lima: Eu tenho para mim que isso é a culminância de um longo processo que vem desde 2018. Deltan é apenas parte desse processo. É um processo de desconstituição da Lava Jato. Nós sabemos que na última recondução do CNMP houve uma pressão muito grande em cima dos conselheiros, no sentido de não reconduzir aqueles que tinham votado em outras ocasiões a favor do Deltan.

Tudo isso estava pré-ordenado. A punição do Deltan é a culminância de um processo que começa em 2018. Quando Bolsonaro é eleito, as forças que estavam sendo atacadas pela Lava Jato se unem e passam a ter uma agenda de desconstituição e punição da operação e dos procuradores.

É totalmente absurda a hipótese de afastá-lo da operação Lava Jato. Isso para mim é um atentado contra o Ministério Público, contra aquele Ministério Público que surgiu na Constituição de 88. Vai ter que lutar contra isso na Justiça.

Congresso em Foco – Mas o senhor acredita que Deltan será afastado do Ministério Público?

Carlos Fernando Lima – O problema do Brasil [é que] chegou um determinado momento em que direito efetivamente não está valendo mais nada. Justiça e direito não estão valendo mais nada. O que está prevalecendo é a vontade das pessoas. Isso vale até para o Supremo Tribunal Federal (STF). Então acredito que eles vão chegar a esse ponto. Isso está encomendado e faz parte desse processo que eu já lhe disse.

Congresso em Foco– Partidos de oposição, em especial o PT, costumam falar que a Lava Jato usurpou de direitos também. O senhor acredita que houve algum excesso por parte da Lava Jato que veio também a fortalecer esse caminho?

Carlos Fernando Lima: O problema todo é que você não mexe com o sistema político, com a criminalidade intrínseca desse sistema político, que usa da corrupção para se financiar, sem uma reação. É inevitável. O discurso de que a Lava Jato cometeu excessos é um daqueles discursos vazios, porque não tem conteúdo. Eu posso defender a Lava Jato de cada uma das acusações de excesso? Primeiro tenho que saber cada caso que teria tido o excesso que as pessoas estão falando. Agora, o excesso é ter tido a coragem de mexer com algo no Brasil que ninguém, a maior parte das pessoas [têm coragem de mexer] e a imprensa, me desculpe, a imprensa finge que nem vê.

Qual é o motivo que eles vão tirar o Deltan Dallagnol da condução da Lava Jato? Tem que ser um motivo relevante. Você sabe qual é o motivo? Qual é o direcionamento político, qual é a prova disso? Ele tuitou o que? O problema é isso, vamos nos aprofundando, vamos no substrato. Ele tuitou contra o Renan Calheiros para a presidência do Senado? Tudo bem, isso aí qualquer cidadão pode fazer. Onde está a atividade político-partidária?

Não é atividade político-partidária, pois não estamos tratando de uma ação político-partidária e sim sobre uma pessoa investigada e com inquérito no Supremo e que estava concorrendo a um cargo de presidente do Senado Federal.

Então agora você acredita que você se manifestar dentro da sua cidadania, você pode ser punido por ser procurador? Os procuradores agora são cidadãos de segunda classe?

Eu estou espantado é com o silêncio dos bons. Então realmente, se chegarmos a isso, qualquer promotor ou procurador daqui para frente pode ser, por qualquer fato irrelevante, afastado do cargo. Nós viramos aquela cidadezinha do interior em que se dizia que o promotor tinha saído porque o prefeito pediu.

Congresso em Foco – A gente viu recentemente partidos da oposição se pronunciando contra aquela nota da Controladoria Geral da União (CGU), em que ela proíbe os servidores públicos de se posicionarem politicamente, ou contra as instituições as quais eles pertencem, nas redes sociais. Mas essa indignação a favor dos servidores públicos não alcança o Ministério Público. Por que essa diferença?

Carlos Fernando Lima: O que a gente vê é uma série de decisões e manifestações que não são principiológicas, mas sim por interesses. No Brasil nós não estamos discutindo mais com base em leis e princípios, com base na Constituição. As pessoas estão defendendo medidas típicas de exceção. Punir Deltan Dallagnol com esse embasamento, ou fazendo censura à imprensa, é medida de exceção e nós não podemos aceitar isso.

Congresso em Foco – O Deltan recorreu ao STF, certo? Como o senhor avalia a possibilidade do ministro Celso de Mello dar uma liminar favorável ao procurador?

Carlos Fernando Lima: Eu espero que o decano, até mesmo por ter sido membro do Ministério Público, ele saiba o que significa ser membro do Ministério Público, quais são as garantias que são dadas pela Constituição. Como o Ministério Público nasceu em 1988 e as consequências de se permitir esse absurdo. Então eu espero que o Celso de Mello dê uma liminar e suspenda essa votação.

Congresso em Foco – A gente tem visto o PGR investindo contra a Força Tarefa da Lava Jato. O senhor acredita que o Aras está, ciente ou não, cumprindo aquele “grande acordo nacional”?

Carlos Fernando Lima: Existem pessoas que são subalternas por natureza. Aras foi colocado ali como uma pessoa confiável para o sistema político. Não importa se Bolsonaro, Calheiros, Maia, Alcolumbre, Toffoli, Gilmar, quem quer que seja, ele  vai ser uma pessoa confiável para o sistema. E ele aderiu a esta campanha contra a Lava Jato.

Infelizmente, nós estamos em um caso em que você, como procurador que está na ponta, tem que se cuidar para não tomar tiro da sua própria tropa. Porque o mais covarde que existe é o que atira nas costas do seu companheiro de armas e infelizmente é isso que está acontecendo.

Congresso em Foco – Estão querendo tirar do MPF a possibilidade de fechamento de acordos de leniência, que foi um dos principais instrumentos da Lava Jato. Como o senhor vê isso? Seria um grande retrocesso ao combate à corrupção no país?

Carlos Fernando Lima: Nós criamos o instrumento da leniência na operação Lava Jato e esse instrumento, veja o resultado que trouxe, não só de retorno de recursos, porque as empresas são muito ricas e têm muito mais capacidade de devolver dinheiro dos crimes que acabaram sendo envolvidas, do que os colaboradores. As leniências são essenciais para trazerem fatos. Veja quantas investigações decorrem das leniências da Camargo, da Andrade Gutierrez e da Odebrecht. Nós chegamos nas obras da Copa, chegamos nas Olimpíadas, chegamos no arco metropolitano do Rio, chegamos no metrô de São Paulo. De todos os partidos políticos, situação e oposição. Isto está sendo jogado fora pelo próprio Ministério Público. Este riquíssimo instrumento de captação de provas e de retorno de valores ao Ministério Público está sendo jogado fora. Nós não podemos permitir (…).

Eles [AGU, TCU e CGU] podem lá nas atividades deles fazerem os acordos previstos em lei sem problema algum. Mas o Ministério Público tem um objetivo diferente e tem um tempo diferente. O tempo de uma investigação criminal não é o tempo de investigações administrativas. Imagina se nós tivéssemos revelado tudo o que nós sabíamos nas investigações para o próprio governo Dilma?

O tempo do sigilo de uma investigação e o grau de sigilo é determinado caso a caso. Há casos em que você pode trabalhar, e deve trabalhar, com a CGU e AGU, mas há casos em que, por questões da gravidade dos fatos e o envolvimento de pessoas poderosas, você tem que manter sigilo. E a leniência está incluída nisso. Nós precisamos assinar leniência como Ministério Público. Nós precisamos ter esse trabalho desenvolvido, porque ele é um instrumento muito útil e se mostrou muito eficiente. E o que está acontecendo agora é justamente por conta da sua eficiência.

Congresso em Foco– O Aras é um serviçal desse sistema?

Carlos Fernando Lima: Na verdade ele é um serviçal do sistema político.

 

Do Congresso em Foco

 

 

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