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Fim da neutralidade de rede nos EUA pode impactar internet no Brasil

Publicado em: 16/12/2017

A decisão da Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) de revogar a neutralidade de rede no país pode ter repercussões também no Brasil. Aprovada em 2015 pelo órgão durante a gestão de Barack Obama, a norma foi derrubada em votação ocorrida na quinta-feira (14) com aval de conselheiros indicados pelo Partido Republicano, seguindo diretriz da administração de Donald Trump.

A regra impedia provedoras de acesso à internet de tratar de forma discriminatória os dados que circulam em suas redes, de bloquear sites, de piorar ou retardar a conexões intencionalmente e de priorizar serviços e informações de parceiros. Sem a neutralidade, as operadoras poderão adotar essas práticas, estando autorizadas, por exemplo, a vender pacotes diferenciados como no caso da TV por assinatura – um somente com e-mail, outro com redes sociais e vídeos e assim por diante.

No Brasil, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, manifestou-se por meio de sua conta no Twitter e lamentou a decisão. “A revogação da neutralidade da rede nos Estados Unidos fere um de seus princípios mais importantes: a liberdade de conexão. Ainda bem que no Brasil o Marco Civil da Internet nos protege de medidas dessa natureza”, diz o tuíte.

Flexibilização

Empresas de telecomunicações já discutem a flexibilização da neutralidade de rede no Brasil, garantida em na lei conhecida como Marco Civil da Internet. Em nota divulgada após a votação de quinta-feira nos EUA, o Sindicato Nacional de Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil) defendeu a flexibilização das regras para garantir o que chamou de “neutralidade inteligente”.

“O setor de telecomunicações é a favor da neutralidade da rede aplicada de forma inteligente, permitindo às empresas gerenciar o tráfego nas suas redes com o objetivo de melhorar a qualidade e a experiência do usuário. Não deveria haver regra para interferir na gestão do tráfego das prestadoras de telecomunicações. Bastaria a lei reforçar que é assegurado aos interessados que o uso das redes se dê de forma não discriminatória, garantida pela fiscalização da agência reguladora”, propõe a entidade.

O Marco Civil da Internet elenca a neutralidade de rede como um de seus princípios e determina que o “responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”.

A interferência no tráfego só é permitida em casos especiais, como a priorização de serviços de emergência ou se for um “requisito técnico indispensável” à prestação do serviço. O bloqueio de e-mails em massa (também conhecidos como spams) é um exemplo de gestão da circulação de dados na internet benéfico aos usuários. Mas a regulamentação do Marco Civil define de forma estrita as situações excepcionais em que isso pode ocorrer, como nos exemplos citados.

O Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações informou à Agência Brasil que o governo federal não pretende realizar qualquer mudança nas normas sobre a neutralidade de rede no país. “A lei no Brasil está em vigor e não há nenhuma movimentação para mudanças. O Marco Civil é uma conquista da sociedade brasileira e somos contra mudanças nessa legislação. Evoluções da tecnologia podem levar a mudanças na lei e aprimoramentos, mas não é esse o caso”.

Mudança difícil

Para especialistas e organizações da sociedade civil, não há relação entre a decisão da Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos e o quadro brasileiro. Segundo a conselheira do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI Br) Flávia Lefèvre, as legislações dos dois países são bastante diferentes. Enquanto lá o acesso à internet é tratado como serviço de telecomunicações, aqui é considerado serviço de valor agregado, não cabendo sua regulação à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

A revogação teria de passar, portanto, por uma mudança no Marco Civil da Internet. Na avaliação de Rafael Zanatta, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diferentemente dos Estados Unidos, em que bastou a decisão da FCC, a aprovação de uma lei alterando o Marco Civil seria mais difícil. “Aqui o custo político é maior. Não é fácil mexer no Marco Civil, uma legislação de referência internacional e um texto construído democraticamente por um longo processo.”

Para além da dificuldade do processo, Flávia Lefèvre e Zanatta consideram que no mérito a revogação ou flexibilização seria um grande retrocesso. Se por um lado as empresas buscam isso para aumentar seus lucros e ganhar capacidade de vender pacotes diferenciados, por outro para os usuários tal cenário poderia trazer prejuízos.

“Se você quebra a neutralidade em um país com condições tão desiguais como é o caso do Brasil, em que só temos 50% dos domicílios conectados e a maioria pelo celular, a diferença pode se aprofundar com prejuízos claros para finalidades de inclusão digital e universalização do acesso à internet, objetivos previstos em lei e que devem, portanto, ser respeitados”, alerta a conselheira do CGI Br.

Impacto no tráfego

Ainda é incerto se as novas regras norte-americanas para a internet terão consequências no tráfego de dados dos usuários brasileiros. Sendo a internet uma “rede de redes”, muitas vezes o acesso a um site ou conteúdo (como um e-mail ou um vídeo) se dá em provedores de conteúdo com servidores nos Estados Unidos.

Contudo, especialistas do Comitê Gestor da Internet no Brasil consultados pela Agência Brasil afirmaram que práticas de interferência no tráfego nos EUA não devem afetar os internautas aqui. Em primeiro lugar, pelo fato de as operadoras que entregam esses dados ao usuário final terem que respeitar a neutralidade de rede. Em segundo lugar, porque muitas plataformas e sites, como é o caso do Netflix, mantêm seus conteúdos em servidores no Brasil, evitando que um dado enviado ou recebido tenha que circular pelas redes.

Entenda o que é neutralidade de rede e como é o seu funcionamento no Brasil

A neutralidade de rede é um princípio elaborado por pesquisadores posteriormente incorporado nas discussões sobre governança da internet no mundo e transformado em legislação em diversos países. Boa parte da Europa e quase toda a América do Sul contam com regras neste sentido. México e Canadá, na América do Norte, e Índia e Japão, na Ásia, são outros exemplos.

Segundo a Coalizão Global pela Neutralidade de Rede, que reúne especialistas e ativistas de dezenas de países, neutralidade de rede é “o princípio segundo o qual o tráfego da internet deve ser tratado igualmente, sem discriminação, restrição ou interferência independentemente do emissor, recipiente, tipo ou conteúdo, de forma que a liberdade dos usuários de internet não seja restringida pelo favorecimento ou desfavorecimento de transmissões do tráfego da internet associado a conteúdos, serviços, aplicações ou dispositivos particulares”.

Em outras palavras, uma operadora de telefonia que também controla banda larga não pode deixar lenta ou ruim a conexão de um usuário que utilize a rede para se conectar a um serviço online de chamadas, como o Skype.

Ou seja, independentemente de o usuário usar a rede para enviar um e-mail, carregar um vídeo ou acessar um site, não pode haver privilégio ou prejuízo a nenhuma dessas informações, ou “pacotes de dados” específicos. Por essa regra, as detentoras das redes também não podem celebrar acordos comerciais com sites, aplicativos ou plataformas para que seus conteúdos sejam privilegiados e cheguem mais rapidamente a seus clientes.

A regra sobre neutralidade revogada nos Estados Unidos na última quinta-feira (14) detalhava, por exemplo, que as operadoras não podiam bloquear sites, degradar tráfego (dificultar ou facilitar o acesso a determinadas informações) ou fazer “priorização paga” (garantir que um site seja carregado mais rapidamente se pagar à operadora para isso).

Princípio previsto em lei

No Brasil, a neutralidade de rede é assegurada na lei que ficou conhecida como Marco Civil da Internet (nº 12.965, de 2014). O Artigo 3º lista a neutralidade como um dos princípios da lei. O Artigo 9º estabelece que “o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”.

O mesmo artigo, contudo, prevê a possibilidade de discriminação de tráfego mas somente se ela for um “requisito indispensável à prestação do serviço” ou em caso de “priorização de serviço de emergência”. Nessas situações, a operadora que realizar esse tratamento diferenciado fica obrigada a “abster-se de causar danos aos usuários”, “agir com proporcionalidade, transparência e autonomia”, “informar previamente os usuários sobre as práticas de gestão de tráfego” e “abster-se de condutas anticoncorrenciais”.

As exceções em que esse tipo de gestão pode ocorrer estão detalhadas no Decreto nº 8.771, de 2016. No caso dos requisitos técnicos, eles são permitidos no tratamento de questões de segurança da rede (tais como bloqueio de spams) e quando houver um congestionamento da rede e for necessário buscar caminhos alternativos em caso de interrupção das rotas oficiais.

Quando alguma dessas hipóteses ocorrer, a operadora deve “adotar medidas de transparência para explicitar ao usuário os motivos do gerenciamento”. Entre elas estão a indicação dessas possibilidades nos contratos celebrados com os usuários finais e a divulgação dessas práticas nos sites das empresas em linguagem de fácil compreensão. As informações devem explicar as medidas, os motivos que levaram a elas e os impactos concretos na experiência do usuário.

Já na possibilidade relacionada a serviços de emergência, a interferência no tráfego pode ocorrer na comunicação entre agentes responsáveis por esses (polícia e Corpo de Bombeiros, por exemplo) e em “comunicações necessárias para informar a população em situações de risco de desastre, de emergência ou de estado de calamidade pública”.

O mesmo decreto veda acordos das operadoras com terceiros que “comprometam o caráter público e irrestrito do acesso à internet e os fundamentos, os princípios e os objetivos do uso da internet no país”, “priorizem pacotes de dados em razão de arranjos comerciais” e “privilegiem aplicações ofertadas pelo próprio responsável pela transmissão”.

Planos de tarifa zero

Uma das grandes polêmicas envolvendo a neutralidade de rede no Brasil está relacionada aos planos de tarifa zero oferecidos por operadoras de telecomunicações, como aplicativos (Facebook ou WhatsApp, por exemplo), cujo uso não é descontado das franquias contratadas.

Algumas organizações de defesa de direitos de usuários da rede argumentam que essa prática fere o Marco Civil da Internet uma vez que privilegia determinados conteúdos em detrimento de outros. Isso porque, embora pareça um aparente benefício ao usuário, que pode acessar esses aplicativos sem consumir os dados a que tem direito, tal prática cria uma discriminação positiva em favor de alguns serviços e cria um desequilíbrio no mercado da internet, dificultando que aplicativos sem poder econômico para celebrar acordos possam se estabelecer e ganhar usuários.

Já empresários do setor argumentam que esses planos não violam a neutralidade de rede. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em decisão proferida em setembro deste ano, arquivou um inquérito elaborado a partir de denúncia do Ministério Público Federal contra a Vivo, Tim, Claro e Oi questionando esses chamados “serviços gratuitos”. O Cade seguiu entendimento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de que as regras previstas no Marco Civil da Internet e na sua regulamentação dizem respeito apenas à gestão técnica do tráfego, e não a práticas comerciais.

Agência Brasil
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