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Portugal convida, mas Brasília não entra em Cena!

Publicado em: 30/05/2011

Hoje acordei com uma péssima sensação: vergonha… derrota… baixa estima… Com mais de 25 anos de produção cultural nas costas, 30 anos de jornalismo, não consigo entender como este tipo de coisa acontece em nosso “País de Todos!”

Precisamente hoje, 29 de maio de 2011, eu, meus colegas de elenco, diretor e técnicos do espetáculo teatral UMA ÚLTIMA CENA PARA LORCA, deveríamos estar embarcando num vôo Brasília/Lisboa para uma apresentação no dia 4 de junho, na 12ª Mostra Internacional de Teatro de Santo André, em Portugal.

O convite chegou por e-mail há pouco mais de um mês e deixou a todos orgulhosos. Afinal, UMA ÚLTIMA CENA PARA LORCA, texto de Roberto Gerin, direção de André Amaro, com um elenco reunindo três gerações de atores alunos da primeira faculdade de Artes Cênicas de nosso país, a Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, instalada na Capital Federal há 30 anos, era o único espetáculo brasileiro a participar de uma das mais importantes Mostras de Teatro da Europa. Autor, diretor, elenco, produção. Todos de Brasília. Esta nossa cidade que só chega às manchetes dos jornais espontaneamente quando o assunto é corrupção, falcatruas, jogos de interesse e poder.  Uma cidade que, aos 51 anos, tem várias gerações de pessoas do bem que todos os dias se sentem atacadas, agredidas mesmo, quando estão em outras cidades e são “acusadas” de participar dessas “coisas feias” escritas, estampadas, digitalizadas nos veículos de comunicação.

Nós de UMA ÚLTIMA CENA PARA LORCA, a exemplo de tantos outros artistas de Brasília, consagrados ou não pela mídia, construímos dia a dia, com o maior carinho e muito trabalho, a história cultural da Capital Federal. E, com muito pouco ou quase nada de ajuda financeira para nossos projetos, os artistas que permanecem em Brasília, por opção, ideologia ou seja lá qual o motivo, não são levados a sério pelas autoridades ditas culturais. Mas vejam bem: se vive de arte em Brasília! Atenção!! Muitos vivem de arte em Brasília. A população reconhece e comparece  às casas de espetáculos, bares, restaurantes onde a arte é contada e cantada nas quadras, não em esquinas como as do eixo cultural do país: Rio e São Paulo.

Mas por que autoridades culturais de fora, tal qual a população que nos prestigia, acreditam em nós? Foi assim que o Sr. Mário Primo, diretor da 12ª Mostra Internacional de Teatro de Santo André, nos convidou com hospedagem, alimentação, transporte entre Lisboa e Santo André e uma ajuda de custo de 1500 euros, para a apresentação de UMA ÚLTIMA CENA PARA LORCA, no próximo dia 4 de junho, produzida pela AJAGATO – Associação Juvenil Amigos do GATO (Grupo Amador de Teatro de Santo André). Ficou para o Brasil dar de contrapartida 12 passagens aéreas Brasília/Lisboa/Brasília. Total deste custo? US$ 13 mil, ou aproximadamente R$ 18 mil.

Pouco ou quase nada para representar, ou fazer bonito, por Brasília e pelo Brasil, na Europa. Mostrar aos nossos colonizadores que fizemos e fazemos história. Mas não deu… Não adiantou corrermos, mostrarmos um projeto explicando que todos os dias decola de Brasília para Lisboa um vôo da TAP, quase sempre lotado, da mesma maneira que chega a nossa cidade um vôo da empresa vindo de Lisboa, também lotado de portugueses e europeus que vêm conhecer nossa cidade e nosso País. Seria uma ótima oportunidade, há pouco mais de dois anos da tão alardeada Copa do Mundo, de apresentarmos nossas credenciais culturais e turísticas aos europeus.

Mas não dava tempo da burocracia desenrolar o processo de licitação para as passagens aéreas. O Governo do Distrito Federal não tinha verba. Só depois de 1º de julho. Pelo menos foi a informação que obtivemos das Secretarias de Estado de Cultura e Turismo do Distrito Federal.

O mesmo aconteceu com as autoridades culturais federais. O Ministério da Cultura fechou as portas para qualquer possibilidade porque o programa de ajuda cultural com passagens aéreas para o exterior foi suspenso e a Funarte não tem nenhuma rubrica orçamentária capaz de encaixar um espetáculo de sucesso de público e crítica que iria representar a cultura do país no exterior.

Não dá pra entender…Eu juro que tento, mas não consigo. Quase dez anos à frente de Cadernos de Cultura do Jornal de Brasília, Correio Braziliense e Tribuna da Imprensa; de cinco anos no telejornalismo da Rede Manchete; dois anos no canal da NET no Vale do Paraíba, e outros tantos em Blogs e assessorias de Imprensa, inclusive de órgãos extintos como o INACEN – Instituto Nacional de Artes Cênicas, não me fazem entender porque este tipo de coisa acontece.

Porque pessoas como a grande atriz Dulcina de Moraes que deu a vida pelo Teatro, trocou o auge de sua carreira no Rio de Janeiro, para instalar na Capital Federal  a primeira Faculdade de Artes Cênicas do País, morrem à míngua e o investimento de toda uma vida está fadado a desaparecer? Um patrimônio da cultura nacional morre e é esquecido… As novas gerações não têm idéia de quem foi esta mulher. O que ela representou numa época em que TV, internet, twiters, redes sociais não existiam! Ficou conhecida de ponta a ponta deste imenso Brasil, sem a ajuda da mídia. Andando, mambembando, com a Companhia Dulcina-Odilon. E não foi só aqui. Em Portugal, já que o tema de hoje é este, ela era adorada e muitíssimo conhecida. Fazia temporadas com seus próprios recursos. Afinal o teatro era a grande diversão: processo de arte artesanal que jamais será substituído por nenhum outro.

O cinema? Já pode ser visto em casa em grandes telas de alta definição, em 3D, no escurinho, som digital, pipoca, combos, etc e com a vantagem de se poder dar aquela paradinha (stop ou pause) para ir ao banheiro, sem perder um minuto da “fita”.

Os shows? Cada vez mais grandiosos, super, hiper, megas… Está ficando melhor assistir no DVD com o som do Home Theater do que ao lado de 10 mil pessoas twitando, fotografando e gravando nos celulares os ídolos minúsculos nos imensos palcos que só são vistos a olhos nus nos telões. E fica sempre uma pergunta: será que eles cantam mesmo ou é play back?

O teatro não! É preciso sentar. Ter disposição… Se envolver…Desligar o celular…Parar… Ver…Sentir… Emocionar…

Por mais que ninguém se importe com esta nossa Arte, ela vive e sobreviverá. Pois não existe nada que possa substituir algo tão quente num mundo tão dominado pelos meios eletrônicos tão frios.

Algumas pessoas já estão incomodadas com as distâncias e os avatares criados diariamente para se relacionarem. De repente, a emoção voltará a dominar o mundo. E aí, sim, as autoridades ditas culturais talvez voltem a se importar com projetos culturais ditos pequenos e sem acesso às políticas de nosso “País de Todos!”.

Neste dia, vou dormir menos envergonhada ao desligar o telefone e saber que cancelamos uma apresentação de um espetáculo, com a divulgação feita e paga por um País que acaba de ser socorrido pela Comunidade Européia, por estar quebrado economicamente. Mas que honrou o compromisso de hospedagem, alimentação e ajuda de custo a um grupo convidado, que, por sua vez não pode fazer o mesmo com o público que iria assisti-lo.

Uma pena. Realmente uma pena. Só nos resta, humildemente, pedir desculpas aos portugueses por este papelão.

Sheila Aragão

Jornalista DRT/DF 666/81

Artista DRT/DF 284/86

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